Hildegard Angel – Jornal do Brasil – 18/08/2018
ASSIM SE EXPRESSOU ontem o ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil por nove anos e meio, servindo a três presidentes, embaixador Celso Amorim. A afirmação foi endossada pelo diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, ex-ministro dos
Direitos Humanos de Fernando Henrique Cardoso, professor de Ciências Políticas da USP, durante a coletiva realizada ontem, com os advogados do ex-presidente, Valeska Teixeira e Cristiano Zanin… O MAIS FORTE foi quando o ex-ministro explicou que,
caso não se cumpra a resolução do Comitê De Direitos Humanos da ONU, o país passará a ser um “pária internacional”, significando que, “progressivamente, sua voz vai parar de ser ouvida, o Brasil poderá deixar de ser chamado para as reuniões da ONU, não votar em decisões e seus pleitos não serem atendidos”. Enfim, um marginal em todas as esferas, diplomática, política, comercial etc. Bem como as nossas próximas eleições serão questionadas internacionalmente, não sendo reconhecidas…
TUDO ISSO dito com serenidade e firmeza. Foi uma coletiva espetacular, emocionante. Os repórteres da mídia grande, transtornados, insistiam e argumentavam, esperando ouvir o que seus editores querem escutar: que o
tratado não é uma Decisão, é uma Recomendação. Não ouviram… O QUE A ONU emitiu foi uma Determinação, uma virada de mesa nas eleições brasileiras… O BRASIL SUBSCREVEU esse Tratado Internacional vinculante a todos os nossos poderes
e órgãos públicos, aceitou sua jurisdição, e ele foi internalizado, cumprindo-se todos os trâmites do nosso Legislativo. Com o decreto aprovado, tornou-se lei no Brasil… DADO O conhecimento da resolução da ONU ao Itamaraty, não cabe ao Brasil outra coisa senão cumpri-la, envolvendo todos os poderes e órgãos estatais…
EIS QUE UMA repórter lê nota distribuída pelo nosso Ministério das Relações Exteriores, minimizando a importância da resolução. Seria apenas uma “Recomendação”… TANTO AMORIM quanto Pinheiro ficam estupefatos. Celso tinha
nas mãos a notícia publicada ontem pelo New York Times, e a lê: “Lula do Brasil deve ter seus direitos políticos, diz o Comitê de Direitos Humanos da ONU. Ele determinou ao governo brasileiro que permita que Lula, que está na prisão, exerça plenamente
seus direitos políticos”… SOBRE A NOTA do Itamaraty, Amorim, que foi duas vezes nossos embaixador em Genebra, comenta: “Ela é lamentável, constrangedora, porque demonstra que nossos diplomatas em Genebra desconhecem o tratado, não leram! A nota do Itamaraty é um sofisma. A resolução não recomenda ao Judiciário decidir. É para fazer cumprir. Não pode ocorrer dano ao presidente Lula, impedindo que ele concorra à eleição”… REZA O DOCUMENTO da ONU que Lula deve cumprir amplamente a agenda de candidato, comparecer aos debates na TV, dar entrevistas à imprensa, participar de comícios, encontrar- se e se reunir com os membros de seu partido…
DE ACORDO com os diplomatas, não há a hipótese do descumprimento da decisão. Quando se descumpre um tratado desses, está se negando princípios básicos do Direito Internacional. “Pactos têm que ser cumpridos”, disse o ex-Chanceler, “senão é lei da Selva, é fazer como os Talibãs”… DA COLETIVA, participou via Skype o advogado britânico Geoffrey Robertson, dos maiores especialistas no mundo em Direitos Humanos, e que acompanha esse processo desde julho de 2016 . Estava entusiasmado: “É um grande dia para a Democracia. Uma decisão muito importante. É
muito raro o Comitê expedir uma ordem antes do caso ser finalizado. A ONU só usou desse recurso para pessoas torturadas ou executadas. Na democracia, é intolerável que se negue a presunção de inocência”… É ASSERTIVO: “A Procuradora Geral
tem que expedir amanhã a decisão permitindo a Lula concorrer na mesma posição de seus oponentes, e não ser desqualificado. E também ser eleito”, disse… FINALIZOU BONITO: “A Democracia é frágil. Quando ela está em perigo, a ONU e a comunidade internacional se preocupam. Este é um exemplo muito importante e esta é uma decisão bem-vinda por todos. Para o bom resultado para o povo brasileiro e para a governança
democrática, o Brasil deverá aceitar suas obrigações internacionais”…
DESDE JULHO DE 2016, a Comissão de Direitos Humanos da ONU recebe relatórios dos advogados de Lula sobre as ocorrências de seu processo, passo a passo. Assim,
acompanharam sua prisão coercitiva, as gravações divulgadas de conversas privadas, inclusive a conversa com a presidenta Dilma, o levantamento do sigilo de conversas de Lula com seus advogados e – o que mais impressionou ao Comitê e aos juristas estrangeiros – a sucessão de fatos do último dia 8 de julho em Curitiba, que levaram ao não cumprimento do Habeas Corpus concedido… DECLAROU O JURISTA Pedro Serrano ao blog Tijolaço: “Segundo a nossa Constituição, tratados internacionais sobre direitos fundamentais e políticos que o Brasil assina aqui são lei acima das leis comuns. É uma decisão contundente”… PARA O diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, “mesmo que a grande imprensa insista e repita que essa decisão da ONU não tem valor, ela tem sim”… ESSE ATO, explicaram, nada tem a ver com Ficha Limpa. Tem a ver com Direitos Humanos. A avaliação da ONU é de que, na falta um julgamento justo a Lula, ele tem por isso que participar das eleições…
ESTA NÃO é a primeira Decisão tomada pela ONU quanto ao assunto. No dia 22 maio passado, o mesmo comitê enviou outra, em que fez saber ao Brasil, “sem prejuízo da decisão”, que será incompatível nós realizarmos qualquer ação que frustre os seus comunicados referentes ao processo, que ela acompanha desde julho de 2016… NA OCASIÃO, RECOMENDOU “que não seja emitida qualquer nota que possa dar a entender que a determinação do comitê é frívola ou fútil”… EXATAMENTE a nota que, ontem, o nosso Ministério das Relações Exteriores distribuiu… QUANTO AO julgamento do mérito das violações praticadas ao longo do processo contra/Lula, estas ainda estão sendo examinadas pelo Comitê. Aguardemos uma terceira Decisão. O preço da Democracia é a eterna vigilância…