Morreu, aos 94 anos, o ex-ministro da Comunicação Social, Said Farhat. Lúcido e produtivo até o último minuto, este ano lançou mais um livro de suas memórias políticas.
Poderia ter deixado também para a posteridade as memórias românticas da vida do casal singular e apaixonado que formou ao lado de sua Raymundinha, a Ray. Ela se foi alguns anos antes.
Filho de portuguesa e de um mascate libanês que veio aportar na Amazônia, Said nasceu em Rio Branco, no Acre. Aquela lonjura.
Ray, também filha de mãe portuguesa, Maria Mercedes, e pai imigrante libanês, Mustafá Casbur, radicado no Ceará, que ela se acostumou a acompanhar desde menininha em seu comércio pluvial pelos rios e igarapés da Amazônia.
Ia a minúscula Ray, instalada sobre o monte de castanhas que Mustafá, o seu “Deus”, adquiria navegando rios acima, atracando nas pequenas cidades portuárias e descendo para tomar um trago e bater papo com as mulheres da zona. A garotinha Ray sempre junto, testemunha fascinada daquela vida de aventuras.
Até que um sócio passou a perna no pai-herói, causando em Casbur, além do prejuízo, um infarto fulminante! Ficou Ray órfã, aos 13 anos, e obrigada a se casar com um dos irmãos Farhat, conforme compromisso firmado desde sempre entre as duas famílias, como era da tradição libanesa.
Lá partiu a prometida para o Acre, apavorando-se ao ver o tamanhão do pretendente Said comparado ao dela.
Apesar da desproporção da altura, foi a voz da Ray pequenina que falou mais alto na decisão de “empurrar” o casal para fora do Acre.
Casados, foram extraordinariamente apaixonados, numa vida jamais monótona. Ele imenso, ela baixinha. Ele contido, ela transgressora. Ela gostava de uísque, ele de cerveja. De repente, quando achava que Said estava merecendo (mesmo se ele não estivesse), Ray desaparecia do mapa. Ele ficava feito um meninão perdido, desorientado, até reencontrá-la em Pernambuco, na Bahia, em Miami. E voltava a reinar a felicidade.
Um casamento palpitante.
Em casa, ela se dedicava a ele full time. Aos ternos, às camisas, ao lenço do bolso, aos sapatos. Às roupas que iam e voltavam da lavanderia. À correspondência dele. Ao banheiro do Said, aos perfumes que ele usava. Ao dia de cortar o cabelo. Tudo dele ela conferia. E se orgulhava do marido impecável.
A casa de Ray tinha uma rotina jamais rompida. As decisões eram tomadas pela manhã e depois tudo corria em seus próprios trilhos, bem azeitado. Uma casa cinco estrelas.
E à noite recebiam em seu living, com as paredes cobertas por obras de Scliar, Volpi, Djanira, Mirabeau, Carybé, obras que Ray dedicava-se a colecionar. Eram jornalistas, diplomatas, intelectuais, políticos, artistas plásticos, publicitários, em reuniões sempre entusiasmadas e bem servidas de assuntos sobretudo políticos.
Ray era uma politiqueira vocacionada, com um grande acervo de amigos na esquerda. Levava na carteira a foto de meu irmão sacrificado, que ela me mostrou quando nos conhecemos. Said, de pensamento liberal, enxergava a política brasileira sempre com muita preocupação.
Foi através do nosso amigo comum, o dramaturgo Guilherme Figueiredo, que ele chegou à pasta da Comunicação Social de Figueiredo, só a assumindo sob o compromisso de que seria praticada a abertura política e aquele seria o último governo militar.
Juntos, Said e Raymundinha foram donos, na década de 70, da Editora Visão, de grande prestígio, chegando a ter a maior revista noticiosa do país, a Visão, sendo pioneira de várias iniciativas. Entre outras, a criação do anuário Quem é Quem na Economia Brasileira, o primeiro deles em nosso panorama editorial.
Foi também a Editora Visão a primeira a editar uma série de revistas técnicas periódicas voltadas para os setores industrial, agrícola, de construção, administração pública, inaugurando com elas os veículos de circulação dirigida e controlada no Brasil.
Um casal emocionante, produtivo e criativo.
Tiveram duas filhas, Sonia e Solange. Sete netos. Oito bisnetos. Amaram e são amados por eles. Completaram e realizaram, da maneira ideal, o seu ciclo de vida.
Said Farhat, sempre muito bem cuidado, mantido impecável por sua amada Ray / Foto Carlos Mamba/Google
A missa de 7º Dia pela Alma do ex-ministro Said Farhat será no dia 27 de agosto – 4a. feira – às 19:30hs – na Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro – Rua Honório Líbero, 100 – altura do nº 1.775 da Av. Brigadeiro Faria Lima – São Paulo
Casal notável
Convivi durante anos com eles, e desfrutei muito da minha tão querida Ray e Said . Além de companhias deliciosas,exemplos de fibra dignidade , determinação e amor.
Conheci o Said Faraht e notei ser ele um homem correto, educado e sempre disposto a ajudar.
Um exemplo a ser seguido.
Hilde
Casal encantador!
O pouco que convivi pude testemunhar a grande generosidade de D Raymundinha.
Não só tirava a roupa do corpo para ver uma amiga feliz, como no caso de minha mãe, tirou a peruca que usava numa festa para que minha mãe usasse num casamento!
Deixam saudades a todos que os conheceram!
Beijos,
Celia
Notícia triste. Era um grande casal. Lembro com muito carinho deles e de você em Brasília.
Que texto lindo e oportuno!