João 30, genial, foi profético em seu enredo de 1989, Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia, em que cobriu a Sapucaí com lixo cenográfico, desconstruindo o conceito do luxo, fazendo a opulenta Beija Flor desfilar aos farrapos.
Vinte e cinco anos depois, a profecia de Joãosinho se concretiza, soterrando a luxuosa Zona Sul carioca sob o lixo – lixo de fato, que exala mau cheiro, onde se aninham ratos; ratos de fato, que contaminam e empesteiam; e atrai urubus verdadeiros, que não eram vistos em Ipanema e Leblon desde quando as palafitas da favela Praia do Pinto adentravam pela Lagoa.
Que força poderosa foi esta que atraiu os urubus do passado de volta aos bairros elegantes do Rio em doce convivência com as ratazanas?
Que energia do mal atuou, em que nível do indecifrável astral, para a concretização desse vaticínio terrível, proclamado em 1989 pelo Rasputim do samba, o bruxo João 30?
A força porcalhona tem nome com duas sílabas, e a palavra, vamos agora refletir friamente, não é ga-ris. É blo-cos.
São eles os grandes e principais responsáveis por essa sujeirada, esse odor de urina que sufoca as vias respiratórias da população passante, essa falta de respeito e de amor ao próximo instituída como lugar comum no Rio de Janeiro.
Vamos combinar que não há a menor condição de espremer centenas de milhares de pessoas, estimuladas pela música eletrônica e com amplificação, alcoolizadas e cheias de energia, bebendo vodka no gargalo, em ruas bucólicas e aprazíveis de bairros residenciais; e muito menos em avenidas que são cartões postais da cidade.
Após a passagem de um mega bloco por uma rua ou avenida carioca, é um tsunami de sujeira, porcarias, urina, material defecado, restos de comida, latas, toneladas e toneladas. Como se o decreto nº 1 do Rio de Janeiro fosse “É proibido proibir”.
Ora essa, cada cidade com sua cultura, cada carnaval com sua história. Se Salvador, Bahia, é tradicionalmente, digamos, “descontraída”, nesse aspecto da limpeza, essa não é a tradição do Rio. Pelo menos não era. Havia o brio do cuidado com nossos canteiros, da beleza de nossos recantos. Agora, de uns poucos anos pra cá, virou uma bagunça generalizada. São paredões de bêbados fazendo xixi nos muros, nas portarias, no canal do Leblon… Com a maior naturalidade do mundo. Isso não está certo. Alguma coisa está fora de ordem.
O morador dos bairros sitiados pelos blocos nem pode ficar doente, nos 10 dias ou mais da trepidação, pois não há como pegar ambulância. Tem que criar asas e voar. Ou morrer: alternativa 2.
Temos que corrigir esse percurso político equivocado, antes que essa “avacalhação” se torne irreversivelmente instituída.
E que o decreto nº 1 seja: “É proibido blocos com multidões nos bairros residenciais do Rio”.
Não estão revitalizando o Porto? Que levem essa vitalidade dos blocos para lá. E pelo amor do santo deus: poupem da devastação o jardim tombado e precioso do Parque do Flamengo, obra do paisagista Burle Marx.
Vocês podem imaginar a Banda de Ipanema sambando sobre os Jardins de Monet em Giverny? Fosse o caso, até caía o Governo da França, antes mesmo de apurarem as responsabilidades de quem autorizou.
Uma coisa puxou outra: o espaço que os manipuladores da greve dos garis estão merecendo na mídia é proporcional ao tsunami de lixo que ainda cobre bairros cariocas. E a raiz disso é a liberação dos blocos em locais inadequados, dando corda aos porcalhões.
Por fim, e para refrescar a memória de todos nós, vai aí abaixo a profecia em 1989, de João 30, o Harry Potter da Beija Flor, antecipando o que não seria um samba, mas os acordes de uma Marcha Fúnebre do bem viver do carioca, que hoje bem poderia se chamar:
“O dia em que o lixo dos blocos soterrou o Rio e os ratos e urubus fizeram a festa”
Samba Enredo 1989 – Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia
G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis (RJ)
Reluziu… É ouro ou lata
Formou a grande confusão
Qual areia na farofa
É o luxo e a pobreza
No meu mundo de ilusão
Xepa de lá pra cá xepei
Sou na vida um mendigo
da folia eu sou rei
Sai do lixo a pobreza
Euforia que consome
Se ficar o rato pega
Se cair urubu come
Vibra meu povo
Embala o corpo
A loucura é geral
Larguem minha fantasia
Que agonia… Deixem-me
Mostrar meu carnaval
Firme… Belo perfil!
Alegria e manifestação
Eis a Beija-flor tão linda
Derramando na avenida
Frutos de uma imaginação
Leba – laro – ô ô ô ô
Ebó lebará – laiá – laiá – ô
Reluziu…
e a poesia dos blocos que existia? foi abafada pelo enorme numero de brincantes e consequentemente de lixo – uma pena
Fiquei pensando outras coisas… Netinho, cantor que já foi sucesso no final dos anos 80 e na década de 90 nos carnavais de Salvador, já se bandeou para o Rio. Ele disse que o carnaval de rua do Rio estava em ascensão e que estava se mudando para lá.
Não é de hoje que ele vê o Rio como uma praça a ser explorada, já que em Salvador, ele já não está com a bola toda. Então, o negócio é se expandir…
Lembro das ruas de Ipanema e do Leblon, lindas, cheias de árvores com copas imensas o que torna os bairros tão lindos e agradáveis.
Aqui em Salvador, as árvores centenárias da Av. Sete, por causa do carnaval, viraram troncos com alguns galho por cima. Uma tristeza! E por que isso? Para dar passagem aos trios elétricos cada dia maiores e mais altos. Os galhos das árvores atrapalham…e elas nunca mais conseguem se recuperar: são mortas_vivas. Todos os anos são cortadas sem pena, destruídas, isto sim! Imagine acontecer isso no Rio de Janeiro? E é bem capaz, do jeito que a animação do carná carioca está em ascensão, como disse Netinho…
A Barra um bairro nobre daqui de Salvador, muita gente já se mudou por causa do carnaval e do barulho. Os prédios antes da folia são cobertos com tapumes, senão viram sanitários públicos ou são invadidos.
Dois grandes hospitais ficam no bairro, o Português e o Espanhol. Não sei como se chega lá numa necessidade.
Carnaval, problemas de Salvador, problemas do Rio e a profecia de Joaosinho 30 se cumprindo.
Há uns dois ou três anos que estou percebendo essa volta de blocos de rua no Rio de Janeiro. Aqui em Salvador quando passa o carnaval a cidade está devastada.
Preta Gil está estimulando esse tipo de comemoração de rua no Rio. Não critico, mas ela quer trazer o “modelo baiano de carnaval” para os cariocas.
Em São Paulo este ano também aumentou o número de foliões e seus blocos de rua.
Vi a sujeirada do Rio e fiquei chocado! As pessoas perderam toda a educação e escrúpulos. Fazem da cidade uma latrina!!!! E não estão nem aí… Esse ano o carnaval de Salvador, foi mais organizado e limpo, graças ao novo prefeito e sua equipe que jogou duro.
Se não disciplinarem a folia de rua no Rio, adeus a tranquilidade dos seus moradores, pois cada carnaval é uma destruição e devastação das ruas, dos jardins, de tudo. O povo acaba tudo.
O seu texto é perfeito Hilde e eu fico triste pelos cariocas.
Esse texto nos enche de esperança.
Ouvir uma voz coerente e corajosa, nos ajuda a evitar o desânimo e a indiferença diante desse aparente caos.
Obrigado Hildegard!
Hilde
Muito bom o seu comentário sobre os Blocos de Carnaval.
Na minha rua tem Bloco na terça-feira de Carnaval e na segunda-feira na rua
seguinte. Você não tem ideia da multidão. Uma verdadeira loucura para uma rua estreita.
Para você ter ideia teve sexo explícito na calçada. Jovens de no máximo 17 anos.Muitas pessoas paravam para ver outras reclamavam. Eu acho que estavam drogados.
Ambulantes com carrinho circulavam nas calçadas no meio da multidão, arranhando com o guarda sol os portões das residências e esbarrando nas pessoas que lotavam também as calçadas.
Fiscalização zero.
Como eu tenho câmeras no muro o que eu vi tive pena da CIdade do RIo de Janeiro.
Concordo que isto não pode continuar. Esta tomando rumos preocupantes.
Tem que ter um lugar específico para os Blocos e principalmente fiscalização presente da Prefeitura.
Lembro muito bem desde ano, foi a ultima vez que pisei na Avenida para desfilar; embora continue apaixonada pelo carnaval, mas só da banda luxo como exemplo o baile do Copacabana Palace.
Nao tinha dado conta que já se passaram 25 anos.
Sinto saudades da outrora Banda de Ipanema, um luxo que não se repete na atualidade….
O carnaval de rua é um “luxo” que deixa a cidade um lixo.
Parabéns Hilde! Brilhante texto! 25 anos depois, o Rio continua lindo e a sujeira só aumenta embaixo do tapete… Somos todos Garis, e juntos vamos varrer o tapete da Prefeitura!