Passei o domingo vendo estrelas. E não estava a bordo de qualquer nave espacial. Encontrava-me confortavelmente instalada em mesa de quatro lugares, florida com rosas, diante de talheres de vermeil, indecisa entre brioches ou croissants, frios e queijos vários, petit fours, docinhos em tamanho perfeito para serem pinçados com os dedos, macarons, quindinzinhos, éclairs au chocolat, mini tartes de frutas vermelhas. Tudo pequenino, torradinhas amanteigadas mais finas do que hóstias, sucos de melancia e de laranja, garçons a toda hora oferecendo a escolha de café, chocolate quente ou um sortimento de chás e infusões.
Tudo isso sob uma carreira de lustres de cristal Baccarat com inúmeros braços, que tentei contar, mas sempre me perdia no meio da soma, pois tinham pelo menos três andares de cristais cada um. Estaria eu no palácio da Sissi? Ou no daquela Maria… a Antonieta? Não, eu estava na Casa da Julieta, a de Serpa, onde ontem encerrava-se a temporada do Chá – Uma Tarde na Ópera. Ah, que sorte a minha ter ido!
Confesso a vocês que não sou habituée do canto lírico. Sequer grande conhecedora. Vou ocasionalmente a uma ou outra ópera do Municipal ou Lincoln Center. Já estudei a respeito, mas não sou uma frequentadora assídua da ópera. Até ontem…
Deixei a Casa da Julieta sentindo-me amante graduada do bel canto, pronta a assistir a quantas óperas estejam em cartaz na cidade.
Com sua sensibilidade de educador, o produtor geral Carlos Alberto Serpa teve a audácia de aceitar este projeto, que antes de tudo é de formação de plateias, levado pela cantora mezzo soprano Carla Odorizzi, atriz do elenco permanente da sua Casa de Cultura e Arte Julieta de Serpa e integrante do corpo lírico do Teatro Municipal.
Casada com Fernando Portari, tenor de renome internacional, Carla conseguiu atrair o marido para o projeto, e ele assina a direção geral. A direção musical, também excelente, é do maestro Cláudio Ávila, que executa o piano durante o show.
Magníficos, como sempre, os figurinos de Beth Serpa. O ótimo Quarteto de Cordas ´”Ópera in Concert” é formado por membros da Orquestra Sinfônica Cesgranrio.
O espetáculo é um medley de várias árias conhecidas, ligadas por um mestre de cerimônias, o clown, ora romântico ora bufão, que explica as óperas que virão, contracena com alguns personagens e entretém a audiência entre as apresentações. O ator Thiago Prado exerce deliciosamente a função de nos guiar neste “passeio pelos momentos mais marcantes das grandes óperas e operetas” – conforme Serpa define no programa.
Adjetivos, adjetivos, adjetivos. Não há como economizá-los no entusiasmo em que me encontro. Na verdade, era minha segunda ida ao Chá com Ópera na mesma semana. Fui na sexta, encantei-me, e insisti por uma mesa no domingo, mesmo sabendo da lotação esgotada. O mesmo aconteceu com Idinha Seabra Veiga, outra entusiasta, ali em mesa próxima à minha.
O espetáculo abre com O Guarani, de Carlos Gomes, apenas instrumental. Belo começo. O ator pede que não nos assustemos, pois “não vai começar A hora do Brasil“. E relata o que vem por aí. Entra Carmen, cantando a ária Habanera, da ópera mais famosa de Bizet, e ficamos sabendo que o autor morreu pensando que a ópera fora um fracasso, pois ela só emplaca três meses depois, numa récita em Viena. É a mais encenada das óperas. Carla Odorizzi fulgurante no papel. Os figurinos de espanholas de Beth brilham.
Entra o tenor poderoso Ivan Jorgensen em La Donna è Mobile, do Rigoletto. “Bravo!”, dizem à sua saída (figurino lindo, hein, bravo, Beth!).
Puccini vem com A valsa de Musetta, de La Bohème, pela soprano Lucia Bianchini. “A jovem libertina canta sobre o prazer que sente ao perceber todos os olhares de desejo que se voltam para ela nas ruas”, explica o programa. Sim, porque o espetáculo é acompanhado de programa com textos resumidos, de fácil leitura, sobre cada ópera e a ária cantada, escritos pelo próprio produtor geral, Serpa.
Momento de pura emoção: o Va Pensiero, cantado por todo o elenco, da ópera Nabucco, de Verdi, sobre a opressão do povo hebreu pelo rei da Babilônia, Nabucodonosor. O coro de escravos canta, lembrando-se de sua distante Israel. Por analogia e por ter sido escrita durante a ocupação austríaca no norte da Itália, Va Pensiero tornou-se o hino nacionalista dos jovens revolucionários italianos, como vimos no filme O Leopardo, de Visconti.
É a vez de Carla Odorizzi arrancar muitos “Bravos!” com sua interpretação magistral em Sansão e Dalila, ária Mon Coeur s’Ouvre à ta Voix, em que a filisteia Dalila seduz o hebreu Sansão, o entorpece e corta seus cabelos.
Lucia Bianchini canta e interpreta lindamente A Ária das Jóias, da ópera Fausto, de Charles Gounod. O diabo consegue, através da fraqueza da vaidade, ajudar Fausto a conquistar Marguerite. O pretendente envia a ela uma caixa de jóias em cujo o diabo coloca, estrategicamente, um… espelho!
Segue-se Nessun Dorma, de Puccini, em sua ópera Turandot, com o tenor Ivan Jorgensen também como primoroso ator. Momento de deleite. E que belo figurino!
O Intermezzo é A Cavalleria Rusticana, de Mascagni, apenas instrumental. Sucedida pelo clown Thiago, que nos fala da ousadia de George Gershwin de, em 1935, montar uma ópera, em Nova York, apenas com cantores negros. É Porgy and Bess, drama sulista, em que a soprano Tatty Caldeira canta Summertime. Afinadíssima. Projeção vocal perfeita! Cantora popular, é a primeira incursão de Tatty no lírico, e ela tira de letra.
Momento operetas do austríaco Franz Lehár. São três. Giuditta, interpretada por Carla Odorizzi, fogosa, fulgurante, requebrante, tocando até castanholas, como cantora de cabaré na África. E um vestido de baile todo de leques! O figurino de Beth Serpa acontece.
Outro que, do popular, debuta no clássico: o tenor Santiago Villalba, em seu solo A Terra dos Sorrisos, como o príncipe chinês abandonado e sofredor Sou-Chong. Em seguida, a conhecidíssima A Viúva Alegre, duo com a mezzo Odorizzi e o tenor Vilalba – delícia! O par cantando, valsando, no pequeno palco, e deleitando a plateia. É a única ária apresentada numa versão em português.
Para tudo terminar com La Traviata, de Giuseppe Verdi, o elenco todo em cena interpretando Il Brindisi (O Brinde), na grande festa promovida pela prostituta Violeta Valery, em que o aristocrata Alfred Germont se apaixona por ela.
Época em que nos salões das cortesãs se reunia a fina flor da masculinidade parisiense. E todos na festa brindam ao amor. Uma vibração contagiante. A plateia do Chá com Ópera se entusiasma, ergue seus copos de água e de suco de melancia, suas xícaras de chá e de chocolate, e brinda junto. Todos participam, a seu modo, do baile no casarão de Violeta, a mais famosa cortesã de Paris! Ulalá, c’est magnifique!
Ao final, Carla Odorizzi vem agradecer a todos naquele último dia, na última récita. Anuncia que, devido à grande procura, talvez façam mais uma apresentação. E no dia 16 de dezembro farão um espetáculo no Imperator. Vou ficar atenta para adquirir meu e-ticket. É imperdível, in-faltável.
E aplausos também para Belita Tamoyo, mencionada no programa, que contribuiu muito na seleção das árias apresentadas, conforme Beth Serpa me contou.
Belita entende de tudo. De ópera, de gastronomia, de fazer amigos e de ser a eterna primeira-dama da Cidade Maravilhosa.
Dado o sucesso e os pedidos de reservas, a Casa Julieta estuda a possibilidade de promover nova récita na próxima semana. No dia 16 de dezembro, o espetáculo estará no Imperator, récita única. A torcida é para que ele se estenda em temporada, em grande teatro, dando a todos a oportunidade de assistirem a uma encenação operística de tal forma cativante.
As cantoras Lúcia Bianchini, Carla Odorizzi e Tatty Caldeira
A Carmen, interpretada por Carla Odorizzi
O tenor Ivan Jorgensen, em sua emocionante interpretação do príncipe Calaf, Nessun Dorma, em Turandot
Tatty Caldeira interpreta Summertime, na Porgy and Bess, de George Gershwin
A emocionante apresentação de Va Pensiero, da ópera Nabucco, que serviu de hino revolucionário da resistência italiana à ocupação austríaca
Coberta de brilhantes, A Viúva Alegre, plebeia agora enriquecida pela herança do marido banqueiro, reencontra o primeiro amor aristocrata, e a nova condição financeira permite o casamento e que sejam felizes para sempre. Mezzo soprano Carla Ororizzi e tenor Santiago Vilalva, já convidado para cantar em outra ópera, sucesso!
Lucia Bianchini, uma deliciosa e insolente Musetta, em La Bohème, de Puccini, que a cantora popular Della Reese gravou belamente em versão americana, como Don’t you know . (Escutem abaixo, que máximo. Era com essa gravação que mamãe, que tinha uma “vitrola” no quarto, nos despertava na casa da Rua Nascimento Silva em Ipanema).
Carla Odorizzi e sua deliciosa, requebrante, Giuditta, da opereta de Lehár.
Para mim (e muitos), o ponto alto da tarde: Sansão e Dalila, com Jorgensen e Odorizzi
O Gran Finale, com O Brinde, da Traviata, protagonizado por Lucia Bianchini, como Violeta, e todo o elenco – todos arrancam do público aplausos de pé: cantores, músicos, o ator, a iluminação, as direções de arte e musical, produção geral e os figurinos
O mestre de cerimônias, que liga os quadros, ator Thiago Prado
Fotos de Hildegard Angel e, do Facebook, de frequentadores da Casa Julieta de Serpa, Claudinha Gonzalez e Nivaldo Brito
Via EnviouChegouNews
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Hilde, pelo teu encantamento e emoção, seguramente foi ótimo você ter ido.
Este é o Rio Cultural que infelizmente poucos conhecem, parabéns p os incansáveis Serpa