A vida de Pedro Aleixo contada em documentário: ao olhar longínquo da História, um ético sonhador

Heloísa Aleixo Lustosa convidava, e um pequeno grupo se reuniu em casa de sua filha, Eliane Lustosa, para assistir, em primeira exibição no Rio de Janeiro, ao documentário sobre o ilustre Pedro Aleixo, pai de Heloísa, recentemente introduzido oficialmente, juntamente com Tancredo Neves, na galeria dos ex-presidentes da República do Brasil, num obrigatório reconhecimento histórico.

Presentes, apenas a família – as três filhas de Heloísa, o filho, os netos –  alguns poucos membros da Academia Brasileira de Artes, presidida por ela, e a obrigatória amizade da embaixatriz Laís Gouthier, sempre próxima nos momentos pontuais da vida de Heloísa Lustosa.

Heloísa tem um papel muito importante como contadora dessa página da História Brasileira, quer como testemunha, como coadjuvante ou como aquela que, ao lado do marido, Carlos, acolheu Pedro Aleixo na cobertura do casal, na Rua Barata Ribeiro, transformada em “cárcere” domiciliar, com ele vigiado dia e noite, quando foi impedido de assumir seu mandato, em 1969, no lugar de Costa e Silva, que sofreu um derrame.

Uma prisão de fato, obrigando quem entrasse ou saísse a uma completa revista pelos militares de plantão na portaria do prédio, contava Paulo Barragat, acadêmico presente àquela tarde de muito poucos na Gávea.

Os militares do Golpe de 64 passaram a não confiar no vice-presidente de Costa e Silva, Pedro Aleixo, quando este se recusou a, em 1968, assinar o AI-5, elaborado pelo ministro da Justiça Gama e Silva, que atirou o país no mais negro de seus períodos, com fechamento do Congresso e a suspensão de várias garantias constitucionais, inclusive de habeas corpus, estabelecendo liberdade vigiada, confisco de bens, proibição de manifestação etc.

Em 1969, houve o Golpe dentro do Golpe, com a Presidência sendo ocupada por uma Junta Militar.

Com direção do cineasta Jesus Chediak e patrocínio de Furnas, o documentário sobre Pedro Aleixo levou alguns anos para ser realizado, reunindo inúmeros depoimentos. Algumas das revelações ficarão como legado e registro para a História política do Brasil.

O advogado de presos políticos Modesto da Silveira, admirador dos princípios éticos do ultra católico Pedro Aleixo, nos faz chorar com o relato trágico da sua defesa de uma mulher da Juventude Católica, que, depois de torturas bárbaras, sofreu estupro dos seus torturadores em fila e engravidou. Além da gravidez, o dilema: a religião não lhe permitia o aborto. Modesto a aconselhou a escutar um padre. O padre, que ouvisse o marido. Também católico, vindo da prisão e das torturas, o marido se dispôs a criar a criança, se fosse do querer dela. Neste instante, aliviada, ela sofreu um aborto espontâneo.

Um dos relatos mais tristes e inquietantes é sobre Alberto Aleixo, o irmão comunista de Pedro Aleixo. Na clandestinidade, ele procurou o sobrinho Maurício, filho de Pedro, oferecendo à venda sua parte na herança que tinha a receber. O sobrinho dispunha apenas de 20 mil cruzeiros, apesar de saber que a herança seria em valor maior. Alberto fez seus cálculos e insistiu que, para o que ele precisava, bastavam 10 mil cruzeiros, não mais que isso.

Depois de muito discutirem, venceu o tio comunista: deixou com o sobrinho o direito à herança e partiu com seus minguados 10 mil, que lhe serviriam ao grande propósito da vida. Era o que custaria o equipamento para imprimir o jornal do Partido Comunista Brasileiro, “A Voz Operária”.

Pedro Aleixo, que descansava em seu quarto, quando ouviu a voz do irmão naquela breve visita à casa, correu à sala gritando: “Alberto, eles vão lhe matar. Eles vão lhe matar!”.

Alberto morreu em 1975, aos 72 anos, no Hospital Souza Aguiar no Rio de Janeiro, em decorrência das torturas e dos sofrimentos impostos no cárcere, depois de ser flagrado distribuindo na rua exemplares de “A Voz Operária”, numa época em que pensar diferente era proibido no Brasil.

Outro a depor para Chediak: o coronel Affonso Heliodoro dos Santos, mais próximo e leal colaborador de Juscelino Kubitschek ao longo de 46 anos. Ele revela que, mesmo Pedro Aleixo sendo arqui-inimigo político declarado de JK, eles secretamente cultivaram sólida amizade, a ponto de Juscelino diariamente visitá-lo à noitinha, em sua casa em Belo Horizonte, pedindo ao motorista Geraldo que não estacionasse à porta para que os eleitores não vissem.

Affonso, 98 anos, em seu testemunho gravado, afirma a sua convicção de que o ex-presidente Juscelino foi assassinado pela ditadura militar. Dúvida que, mesmo com o parecer negativo da Comissão da Verdade, estará sempre viva, pois nada explica notícias dando conta da morte terem chegado a Brasília horas antes de o fato ocorrer.

Heliodoro empenhou-se bravamente para fazer prevalecer a versão do assassinato de JK. Maristela, a filha viva, se opôs firmemente a tal, chegando a expressar a preocupação do uso político que poderia ser dado.

Ao olhar longínquo da História, o Homem Público terá o tamanho de sua biografia.

A memória de Pedro Aleixo, com este documentário, firma-se como a biografia de um ético utópico. Ético, porque não permitiu que as ambições atropelassem seus princípios cidadãos e religiosos. Utópico, porque confiou que os aliados escolhidos seriam seus iguais.

Em nome da ética, desafiou o ditador Getúlio Vargas, à época da instauração do Estado Novo, abandonando assim a conquistada presidência da Câmara.

Coerente com o mesmo princípio, não assinou o AI 5 – pretexto para lhe usurparem a faixa presidencial – acompanhando sua negativa da frase famosa: “Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país; o problema é o guarda da esquina”.

heloisa aleixo , mariquita e pedroA linda Heloisa Aleixo Lustosa, que depois marcou a vida cultural brasileira com sua atuação fundamental, com seus pais, dona Mariquita e Pedro Aleixo, desembarcando em Brasília para a posse, em 15 de março de 1967, do governo do general Costa e Silva

 

6 ideias sobre “A vida de Pedro Aleixo contada em documentário: ao olhar longínquo da História, um ético sonhador

  1. Pedro Aleixo foi uma referencia de sua geração , amado , respeitado e admirado . Tinha amigos íntimos no PSD , além de JK . Francisco Negrão de Lima era um deles . Foi um grande parlamentar , maestro da famosa ” banda de música da UDN ” . Pelas suas qualidades foi Ministro da Educação do Marechal Castelo Branco e depois vice do General Costa e Silva , que o estimava e respeitava. Uma referencia de dignidade, sem ódios . Formou uma familia admirável, Heloisa no Rio e um irmão em BH , Mauricio , e outro em Brasilia o Padre e academico . Bela matéria querida Hilde .

  2. parabéns pela excelente matéria Hildegard,é importante para os brasileiros conhecerem figuras tão importantes de nossa história.

  3. Já estava sentindo falta de você !!!
    Adorei o texto!
    Quantas histórias que está geração precisa tomar conhecimento, para saber se posicionar diante do mundo.
    Infelizmente poucos tem interesse de conhecer…

  4. Entre os grandes políticos que Minas exportou, Pedro Aleixo foi um dos maiores. Após ser cassado, voltou a BH e reassumiu sua cátedra na Escola de Direito da UFMG para uma aula-despedida e se aposentar – e eu estava lá, entre os alunos. Merece, por sua cultura, inteligência, honestidade e total ausência de medo um lugar de destaque entre os ex-presidentes, ao lado de Tancredo. Aqueles que foram presidentes sem assumir mas que por direito e respeito conquistaram a posição no coração dos mineiros – espero que do Brasil todo.

    • Vendo ontem um documentário no Canal Brasil, ouvi um relato do seu filho . Emocionado dizendo que ao final de cada aula ministrada pelo Dr. Pedro Aleixo os seus alunos de pé aplaudiam.
      Homens da estirpe e de qualidades morais não existem mais. Que sirva de lição para muitos outros políticos.

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