Um dia de Coréia do Norte para a imprensa em Brasília

A jornalista Monica Bérgamo, postou esta tarde no site da Folha de São Paulo uma descrição dos surpreendentes novos procedimentos com a imprensa numa posse presidencial na República Brasileira, como foram os da posse do presidente Jair Bolsonaro, em Brasília. Vale a transcrição.

Hildegard Angel


UM DIA DE CÃO

Mônica Bergamo 

É uma posse diferenciada e todos têm que entender isso.

Com essas palavras, a assessora do Palácio do Planalto que acompanhava jornalistas num ônibus rumo ao Congresso Nacional, na manhã desta terça (1º), procurava acalmar veteranos da profissão (esta colunista entre eles) que não conseguiam, digamos, entender os novos tempos — e o tratamento reservado à imprensa na posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República.

Foi, de fato, algo jamais visto depois da redemocratização do país, em que a estreia de um novo governo eleito era sempre uma festa acompanhada de perto, e com quase total liberdade de locomoção, pelos profissionais da imprensa.

O sufoco começou dias antes, no credenciamento.

Os jornalistas foram informados de que não poderiam ter acesso livre, por exemplo, ao salão nobre do Palácio do Planalto, onde o presidente sobe a rampa, dá posse aos seus ministros e recebe cumprimentos de autoridades internacionais.

Na posse de Lula, em 2003, repórteres chegavam a se aglomerar em torno dele e de Fernando Henrique Cardoso, misturando-se entre a equipe recém-empossada e a que deixava o governo.

Um dos repórteres lembrava, no ônibus, que chegou a subir no elevador do Planalto com Lula, furando um esquema nada rigoroso de segurança.

A colunista chegou a entrar em salas privadas com o então vice-presidente dos EUA Joe Biden na posse de Dilma Rousseff, em 2014.

Desta vez, tudo seria diferente. 

Apenas um jornalista de cada veículo poderia entrar no palácio, e com acesso restrito às autoridades.

Os outros ficariam do lado de fora, na portaria ou num corredor aberto no meio da população. 

E a assessoria alertava: neste local, era preciso evitar movimentos bruscos. Fotógrafos não deveriam erguer suas máquinas. Qualquer movimento suspeito poderia levar um sniper [atirador de elite] a abater o “alvo”.

Uma jornalista voltou apavorada para a redação. 

Avisou à chefia que preferia não cobrir a posse. Não queria morrer. Foi convencida do contrário.

Os organizadores da cerimônia também distribuíram orientações por escrito à imprensa: os jornalistas credenciados deveriam chegar ao CCBB (Centro Cultural do Banco do Brasil), no dia 1º, às 7 horas da manhã.

Como é que é? 

Era isso mesmo: embora a posse no Congresso estivesse marcada para as 15 horas, os jornalistas teriam que se concentrar desde cedo, embarcar nos ônibus às 8 horas, chegar no Congresso pouco depois e esperar, sem fazer nada, por mais de seis horas, para ver Bolsonaro entrar no parlamento.

Era preciso levar lanche pois não haveria comida. 

Tudo precisava ser embalado em sacos de plástico transparente.

“Garrafas não são permitidas. Haverá água potável disponível nas áreas de imprensa”, dizia o comunicado.

Os veículos providenciaram kits de sobrevivência para seus profissionais. 

No caso da Folha, bolachas Club Social, biscoitos Bis, castanhas de caju, barrinhas de cereal, gomas de mascar, um sanduíche de queijo e salame e suco de caixinha.

Na terça (1º), logo cedo, os jornalistas, seguindo as regras, chegaram cedo ao CCBB.

Foram todos divididos em grupos, em cercadinhos com grades de ferro: os que iriam para o Congresso sairiam primeiro, depois os do Palácio do Planalto e, por fim, os do Itamaraty.

“Pessoal, vocês vão em 13 ônibus. Às 17 horas, nós traremos vocês de volta”, gritava um assessor que se apresentou como Tiago.

E quem quisesse ficar mais?

“Pessoal, [os seguranças] não vão deixar vocês passarem [nas ruas]. O direito de ir e vir dos jornalistas tá assim!”.

Os repórteres caíram na risada.

Apesar da situação, considerada um tanto surreal, havia motivo para risos. 

Um deles era a proibição de levar maçã inteira na merenda. Só picada, em pedacinhos.

“Razões de segurança: acham que alguém pode jogar uma delas na cabeça do Bolsonaro. E maçã machuca”, explicava um dos profissionais.

Em fila, todos começaram a embarcar nos ônibus.

“Bem-vindos à rodoviária do CCBB”, dizia o assessor que iria em um dos veículos.

Os alertas eram muitos. 

“Não tentem subir na Esplanada [dos Ministérios, avenida que leva à Praça dos Três Poderes]. Não tentem passar de uma área à outra. E, mais importante: não tentem pular uma cerca. Não façam isso!”

“A gente tem que avisar. Porque depois alguém toma um tiro…”, completava outra assessora.

“O que nós viramos?”, questionava um veterano jornalista. 

“Fizemos tudo o que já fizemos para terminar aqui?”

Pouco depois das 8 horas, o comboio de ônibus sai até o Congresso, onde novas surpresas nos esperavam. Ao chegar no parlamento, os repórteres passaram por detectores de metais.

E foram levados ao salão verde da Câmara dos Deputados, na entrada do plenário.

“É surreal!”, reagiu um jornalista ao ver a cena: todas as cadeiras e poltronas do local haviam sido retiradas. Não havia onde sentar. Os profissionais tinham que se acomodar no chão.

Eram centenas de jornalistas, mas só havia um banheiro disponível.

Alguns se dirigiram ao setor do cafezinho. 

Um segurança logo orientou as copeiras: “Não é para servir nada à imprensa”.

Os profissionais foram convidados a se retirar do local.

Teriam que ficar confinados no salão, separados por um cordão da passarela com tapete vermelho por onde passariam as autoridades. 

“É preciso um pouco de dignidade!”, reclamava um repórter.

Um deles conseguiu um banquinho para se sentar. E logo começaram as brincadeiras: era preciso fazer rodízio para que todos pudessem descansar um pouco.

Na mesma situação no Itamaraty, correspondentes internacionais chegaram a se retirar do prédio.

Jornalistas com larga experiência em coberturas de governo prognosticavam: essa postura do governo durará pouco. Até a primeira crise.

Mônica Bergamo
Jornalista e colunista. 

FSP 1.1.2019


Agora, é observar os dias que virão. Fato é que, diante do quadro, os correspondentes da China e da França escalados para a cobertura desistiram da tarefa e se retiraram. Desconfia-se que essas novas determinações do trato com a imprensa tenham sido inspiradas nos procedimentos da Coréia do Norte…

H.A.

14 ideias sobre “Um dia de Coréia do Norte para a imprensa em Brasília

  1. Hilde, por favor, vez ou outra publique algum texto seu aqui que foi publicado na sua coluna no JB , plis!

  2. Acho tudo muito bem feito desde que teriam que fazer uma mega segurança pois os bandidos do PT que tentaram matar nosso presidente estavam espalhados por todo canto

  3. Estou adorando ver os Criadores tendo que lidar com Criatura. Por mais de uma década, todas essas Monica Bergamo da vida usaram de seus espaços na imprensa para uma militância politica ferrenha aos governos progressistas do PT para agradar seus patrões, alguns por convicção própria outros vendendo a pena por um emprego, um salário e uma posição, criminalizando o partido e a própria esquerda, lobotomizando o rebanho bovino nacional mesmo com as boas e inegáveis realizações destes governos neste período, infantilmente e vilmente negadas sempre que podiam, e sempre fazendo vista grossa para a roubalheira dos opositores, como fizeram com seus sucessor golpista e sua quadrilha.

    Fazendo um dos piores jornalismos do mundo, por ser não ter qualquer isenção e apuração dos fatos e sendo apenas militância politica, numa mistura contíb nua escandalosa de verdades, meia verdades, noticias tendenciosas e mentiras puras e simples, destacadas em manchetes ou na quinta pagina interna de acordo com a vontade dos patrões ou a quem atingia , propiciaram o surgimento do celerado fascista que se vendia como a solução “contra a corrupção e contra toda essa politica aí” (faz-me rir). São os principais responsáveis pelo surgimento (antes inimaginável) de Jair Bolsonaro, sua familia e seus apaniguados e correligionários politicos, que são um misto de militares linha dura que negam 64, de corruptos confessos e lunáticos medievais.

    Não me leva a mal Hilde, mas tenho pena ZERO de Monicas Bergamos da vida. Rio e rio muito. Vai piorar e vou rir mais ainda.

  4. Minha cara jornalista,espero que não espere de nós, solidariedade. Com raríssimas, muito, muito, infinitamente, excessões, eu quero é mais. Vão, agora ver a diferença entre ditadura é Democracia.

  5. …..isto é só o começo….porque daqui em diante só vai piorar….a imprensa vai entrar de joelho para falar com o mito e depois sair rastejando.Parabens aos jornalistas que votaram no mito….

  6. Hilde, tenha a força que sempre teve. Este começo deve ter trazido lembranças dolorosas e indicam tempos difíceis para todos, independente de cor (seja da pele ou partidária). Vale lembrar Intertexto:
    INTERTEXTO

    Primeiro levaram os negros
    Mas não me importei com isso
    Eu não era negro

    Em seguida levaram alguns operários
    Mas não me importei com isso
    Eu também não era operário

    Depois prenderam os miseráveis
    Mas não me importei com isso
    Porque eu não sou miserável

    Depois agarraram uns desempregados
    Mas como tenho meu emprego
    Também não me importei

    Agora estão me levando
    Mas já é tarde.
    Como eu não me importei com ninguém
    Ninguém se importa comigo.

    Bertolt Brecht

  7. Nem quero comentar mas muitos desses “jornalistas” mostravam-se muito felizes por conta do que fizeram nestes últimos tempos…

    Melhor não escrever o que penso.

  8. Já lembraram da posse dos governos do PT. BOM. Poderiam ter se retirado, não o fizeram, não resolveria, mas demarca rua uma posição. Aceitar é concordar.

  9. Bom, chegamos na era da ordem , minha cara Jornalista, chega de notícias de primeira mão, chega de exclusivistas da notícia, vocês são importantes nas notícias, em informar tudo o que está ocorrendo com exatidão e imparcialidade, mas agora devemos dar o devido respeito obedecendo as normas impostas . Assim tb espero..

  10. Essa moça adorava atacar o PT . Ela ajudou a derrubar Dilma e abriu caminho para a apoteose do Bozo. Colheu o que plantou. Não vou perder meu tempo aplaudindo ou defendendo ela Hilde.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.