Muito se tem dito e escrito sobre as manifestações. De tudo, a análise que considerei mais equilibrada, ponderada e sensata foi a do ex-senador Roberto Saturnino Braga, enviada através de seu “Correio Saturnino”, que consiste em boletins analíticos sobre o momento brasileiro, enviados regularmente a um grupo que tem o privilégio de figurar em sua mala direta.
Saturnino Braga é um dos raros políticos éticos deste país, que não acumulou patrimônio, isto é, não fez fortuna, não ascendeu financeira e socialmente às custas da vida pública.
Deixou a política, deliberadamente, para viver de seu desempenho intelectual, publicando livros, proferindo palestras. Por isso, um homem respeitado, cuja opinião é aguardada com interesse e deferência.
A cada vez que recebo o Correio Saturnino tenho ímpeto de compartilhar com vocês a leitura. O que agora faço com esse texto, O POVO NA RUA, sobre as manifestações, que ainda acontecem, cada vez menores. Leiam, pois.
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CORREIO SATURNINO / Artigo nº 264/2013
Roberto Saturnino Braga
O POVO NA RUA
Seria bom para a democracia, em princípio, o povo na rua?
A primeira resposta, pronta, é afirmativa. Manifestações populares são expressões de interesse pela coisa pública e de vontade coletiva de influir nas decisões políticas. Em princípio, sim, seria um avanço importante na direção de uma democracia mais participativa, capaz de superar a alienação popular e aperfeiçoar o modelo representativo clássico, ainda presente, que perdeu confiabilidade e representatividade.
Entretanto, na medida em que a manifestação não tem objetivos e postulações claras; que se apresenta contra tudo em generalidade e propõe exigências muito vagas nos campos da saúde, da educação e dos serviços públicos; na medida em que nega toda forma de organização e não tem nenhum grupo ou liderança responsável, o movimento se transforma em força apenas negativa, desorganizadora, destruidora de um estado de coisas que pode estar podre mas que é melhor do que o nada, o vazio que a política não tolera, o caos. Será bom, neste caso?
Pessoalmente, não acredito naquilo que é preocupação de alguns, que o movimento prospere tanto na sua quantidade e na sua negatividade que possa vir a constituir “ameaça” à democracia pela implantação do caos, ou do vácuo. Não temo uma ressurreição da ordem militar. Acho que o movimento vai arrefecer muito antes disso.
Não acredito também em conspiração externa nem em inspiração direitista. Forças externas existem, interessadas em derrubar a nova política autônoma do Brasil, devem estar atuando na direção do agravamento da tensão porém discretamente, não se arriscariam a uma intervenção mais efetiva que poderia resultar num caso internacional de muita gravidade sem nenhum resultado para elas.
Assim também no tocante às forças políticas de direita: elas tentaram por todos os meios, insistentemente, durante meses, provocar protestos de rua no tempo do Mensalão, e não conseguiram nada. Certamente, devem estar procurando se aproveitar agora mas correm também o sério risco de um prejuízo arrasador.
Por que a juventude só agora saiu à rua, como fez na deposição do Collor e nas diretas já? Não havia um motivo explícito com a mesma força de chamamento daqueles dois momentos anteriores; os vinte centavos a mais na passagem obviamente não teriam força para tanto, como foi dito pelos próprios protestantes. Mas podem bem, os vinte centavos, ter funcionado como catalisador, como gota transbordante sobre um copo repleto de revolta com o péssimo funcionamento dos serviços públicos de transporte; somada com a revolta com o péssimo funcionamento dos serviços de saúde; e adicionada pelo inominável contraste com a excelência dos estádios de futebol e com o enorme investimento que está sendo feito para a Copa. Por que o povo não tem transportes e saúde no padrão FIFA? Esta pergunta indignada estava nas ruas.
Bem, isso faz sentido. E, se assim for, a Manifestação é positiva. Cabe então ao Governo, e aos políticos, especialmente aos políticos de esquerda, tomarem a coisa como se assim fosse, e agir eficazmente para atender ao justo anseio popular. Se o protesto não foi claro na sua reivindicação, a resposta pode assim mesmo intuir a real motivação e marcar um feito histórico no Brasil, aproveitando a força do povo para enfrentar um desafio, um problemaço que está aí há muito tempo gangrenando nossa sociedade urbanizada.
Ao mesmo tempo, intuindo a motivação e acionando a resposta (as primeiras ações são animadoras), a Política brasileira estaria sancionando os esforços populares pela maior participação, pelo crescimento da cidadania em nossa sociedade. Nosso sistema político, compreendendo os partidos, o Governo, o Congresso e a mídia, é muito fechado sobre si mesmo, só escuta o povo nos ibopes. Lula inovou na Presidência, criando vários conselhos setoriais e chamando muitas conferências nacionais, mas não institucionalizou essas inovações e elas se perderam. A oportunidade apareceu agora para uma renovação das grandes consultas populares.
O Brasil ganharia ainda mais respeito no mundo que o observa com tanta atenção. Ganharia mais força política para atuar no mundo também em favor de um novo desenvolvimento que não seja este do PIB e do business; e para atuar ainda em favor do entendimento e da negociação política, em vez da força militar, para resolver os conflitos internacionais.
O povo brasileiro, e sua juventude, terão dado, então sim, uma demonstração de maturidade e sabedoria política de grandeza histórica. A juventude mostrando que quer participar da Política e não ficar só se preparando para a competição no mercado. O povo exigindo mais presença nas decisões políticas em busca do novo modelo de desenvolvimento.
Muito boa matéria. A propósito do Cordel….
VINTE CENTAVOS QUE
MUDARAM O BRASIL
“O que fazer doravante?…
Fica, pois, a indagação,
A direita está aí
Passando a língua no chão,
Como cobra num caixote
Aguarda pra dar o bote
Na hora da precisão.”
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Eu agora vou falar
Da força que o povo tem
Que mais parece um vulcão
Desativado também…
Que de repente destrava
Em erupção e a lava
Escorre distante, além.
Assim é também o povo
Que subestima o poder,
Um poder que só confia
No que pode ele fazer
Com dinheiro e força bruta
Impondo uma lei astuta
Para o povo obedecer.
Sem prever as consequências,
Sem respeito a sua gente,
Confiante na riqueza,
Numa mídia dependente,
O poder vai, a galope,
Empurrando o seu xarope
Na goela do inocente.
……………………………. Conclusão:
Volto as perguntas às massas
Com toda boa intenção:
O que fazer doravante
Pra manter os pés no chão?
Ante os jogos do poder
O que devemos fazer
Para dar sustentação?
Nós devemos preservar
As chamas da esperança,
Precisamos continuar
Na mesma perseverança.
Para ao poder não ceder
Nós teremos que manter
A total desconfiança.
A marcha é longa, complexa,
Exige muito saber,
Este faz parte da vida
Não custa tanto aprender,
É do saber, com razão,
Que vem a libertação
Que sem tal não pode haver.
Os escravos da caverna
Que é citada por Platão,
Eram eles alienados
Por sombras que havia, então,
Mas, um dia um insurgente
Rompeu com sua corrente,
Conheceu outra lição.
Curioso, ele propôs
Outro mundo conhecer,
Foi pra fora da caverna
Onde tudo pôde ver,
Até criou na verdade
Conceitos de liberdade
Todo um mundo de saber.
Retornou aos companheiros
Contou o que viu lá fora,
Porém, eles reagiram
Pretendendo, nessa hora
Matá-lo após renegar
Que outro mundo não há
Com por de sol e aurora.
Enquanto aquele escravo
Caminhava livremente,
Como um sábio a repassar
O seu saber, consciente,
Os demais, ignorantes,
Pretenderam, como antes,
Continuar na corrente.
Nisso vemos que o saber
É todo libertação,
Enquanto a ignorância
É fator de escravidão;
Sem ter tal conhecimento
Preferiram a corrente,
A caverna por prisão.
Perfeito!