Não posso fazer simplesmente um silêncio respeitoso, neste dia da morte de Eliana Tranchesi. Mulheres empreendedoras, visionárias e corajosas como ela merecem muito mais. Merecem um féretro majestoso e sentido, soluços e lágrimas de pesar. Pois não me venham com pedras na mão os patrulheiros falar em débitos com o fisco, pois é à Eliana que a Receita do Brasil deve muito mais. Deve a ela ter aberto os olhos e a atenção do mundo para o mercado brasileiro do luxo. Não apenas o mercado que consome as grifes estrangeiras, que Eliana brilhantemente reuniu num templo único sobre a Terra, a Daslu paulistana, como em capital alguma do mundo havia igual. Falo do mercado brasileiro que produz luxo. Pois uma coisa puxa a outra. Bastou os estrangeiros aportarem aqui trazidos por ela, para os nacionais rapidinho passarem a produzir luxo também, cortejando e disputando o mesmo mercado, quer com seus produtos colocados na mesma Daslu ou quer ousando investir em suas lojas próprias suntuosas. E assim foram se multiplicando, no país, as marcas de luxo brasileiras, as muitas lojas multimarcas, à exemplo da Daslu, que hoje proliferam, não só nas capitais, mas em todas as grandes cidades…
Estão aí, por toda a parte, as “crias” da Daslu, vendendo, empregando, produzindo, gerando divisas. Tudo fruto da visão dessa mulher extraordinária, incansável, trabalhadora, dedicada e silenciosa. Que não abria a boca sequer para se defender. Discreta, quieta, voltada exclusivamente, 24 horas de seus dias, noites e madrugadas, para seu trabalho, sua Grande Filha: a Daslu. E criou um padrão, um modelo comercial. Criou também as Dasluzetes, quando pela primeira vez vimos sobrenomes coroados brasileiros disputando, quase a tapa, o privilégio de trabalharem como vendedoras numa loja. O que dignificou também a atividade comercial, até então vista como uma profissão de segunda classe…
Sua declarada admiradora, quando o mundo desabou sobre ela, tomei um avião e fui a São Paulo, expressamente para abraçá-la, apesar de não ser sua íntima nem muito próxima. Apenas para demonstrar minha solidariedade e admiração. Cheguei à loja linda, anunciei-me. Eliana interrompeu sua rotina pesada, sei o que isso custa para uma pessoa realmente ocupada, e gentilmente foi me encontrar, acho que na loja do Valentino. Nos cumprimentamos, nos abraçamos, falei de minha imensa admiração por ela e não tocamos diretamente no assunto em pauta nas manchetes dos jornais. Mas ela sabia porque eu estava ali. Não nos vimos mais…
Eliana colecionou e disseminou pioneirismos no comércio do luxo e no comércio da moda, num país em que o emaranhado de leis e o labirinto burocrático travam, enclausuram, imobilizam, praticamente invializam qualquer voo diferenciado. Não estou com isso tentando justificar o injustificável: o drible de leis. Mas quem é do ramo sabe que é praticamente impossível para um empreendedor visionário e sonhador, que pensa longe e pensa grande, sair do lugar, crescer, se expandir, submetido a essa armadura brasileira chamada conjunto de leis fiscais e trabalhistas, que muitas vezes só funciona se bem azeitado com um combustível chamado ‘molhar-a-mão’…
O Brasil, porém, está mudando. Parece que está. Tomara. Que a morte hoje de Eliana Tranchesi, vítima do ‘câncer da humilhação’, sirva de mais um alerta para que sejam apressadas as inadiáveis reformas fiscais, que há tanto repousam em berço esplêndido em nosso Congresso…
Eliana Tranchesi feliz diante da maquete da “nova Daslu”, um templo do luxo como jamais houve no mundo. A euforia foi enorme, para meses depois advir o escândalo, uma sentença de 94 anos de prisão, multas por sonegação ultrapassando R$ 500 milhões, o câncer fatal. Numa das suas poucas entrevistas sobre o assunto, Eliana reconheceu que cometeu o erro de vender luxo num país de agudas diferenças sociais…