Morreu Marco Aurélio Garcia. E quem foi Marco Aurélio Garcia?
Foi um dos idealizadores de uma política externa brasileira digna e altiva, desconstruindo o ancestral “complexo de vira lata”, fazendo do Brasil, então subserviente ao “primeiro mundo”, um ator protagonista no cenário internacional, uma liderança solidária e integrada à América Latina.
Professor aposentado do Departamento de História da Unicamp, ele dividiu a formulação da política externa com o Itamaraty, na condição de assessor dos governos petistas. A cooperação com países da América Latina, a articulação dos Brics, bloco formado por Brasil Rússia, Índia, China e África do Sul, foram iniciativas que levaram as digitais de Garcia.
Apesar das críticas de que fora uma postura ideológica, o que ele negava, os superávits comerciais advindos da relação com os governos latino-americanos de esquerda provaram que Garcia estava certo.
Bem, eu não tive proximidade com Marco Aurélio Garcia, apesar da admiração. Mas o jornalista Gilberto Maringoni teve. E escreveu belo depoimento a respeito na Carta Maior, que tomo a liberdade de reproduzir aqui, a quem interessar possa. Como homenagem a quem bem merece,
ALGUMAS COISAS SOBRE UM GRANDE CAMARADA
(Gilberto Maringoni / Via Carta Maior)
1.
Marco Aurélio Garcia era um sujeito atípico. Mesmo sendo um dos personagens centrais dos governos lulistas, tinha zero de pose ou vaidade. Sempre falou de forma franca e aberta e separava aliados de adversários com nitidez. Aliados não eram os que concordavam totalmente com suas ideias, mas os que se perfilavam num mesmo campo, independentemente de diferenças pontuais.
2.
Marco Aurélio morava em um edifício dos anos 1950, na praça da República, centro de São Paulo, que mereceria um trato na parte externa. Não tem luxos ou nome francês, marca de condomínio de classe média. O amplo apartamento é um caos em vias de organização, como ele definiu quando estive lá para um almoço, em março deste ano. Livros em profusão, DVDs e CDs – sim, MAG ainda não baixava filmes ou músicas -, posteres, papeis e mais papeis e uma cozinha repleta de garrafas de rum de variadas marcas. Um agradabilíssimo bunker para sua imensa cultura e vivências de militância, enfrentamentos, exílio, estudos, andanças e formulações no governo ou fora dele.
3.
E o livro, Marco? Que livro? O livro que você deve estar escrevendo sobre o governo. Ele ri, maroto. Verdade, estou reunindo essa papelada, caixas e mais caixas, vou compilando, separando, pré-editando e tentarei dar forma. Para quando é, Marco? Não sei, pretendo ter tudo pronto lá para setembro do ano que vem. Cadê livro? Perdemos. Perdemos a memória privilegiada de quem colocou o Brasil no mapa-mundi, juntamente com Celso Amorim. Ele conta que ambos formaram uma dupla impressionantemente afinada, que não raras vezes se encontrava em aeroportos, um vindo, outro indo ou vice-versa.
4.
A partir daí, a conversa fluia. Qual a melhor versão do “Homem que sabia demais”, de Hitchcock, o da fase inglesa ou o da americana? Ninguém fala muito, mas os chocolates venezuelanos se equiparam a alguns dos melhores suíços. Tintin é o que de mais divertido foi feito na Europa em matéria de quadrinhos, apesar do reacionarismo de Hergé. Queria escrever como Garcia Márquez. A prosa de Marco era refinada e divertida, mesmo quando não se debruçava sobre seu tema de interesse desde os tempos do movimento estudantil, a política externa.
5.
Nunca soube porque Dilma não o nomeou chanceler. Talvez fosse falta de visão da mandatária numa área estratégica, como em todas as outras. Pois MAG consolidou uma vertente original nessa área, combinando interesses econômicos e políticos com uma visão anti-hegemônica clara. Sem fazer lobbies ou defender ganhos pessoais, firmou-se como leme de uma diplomacia que tinha o desenvolvimento e a construção de novas parcerias Sul-Sul como meta. É possível discordar de sua orientação, mas não duvidar de sua coerência.
6.
No governo, desenvolveu agendas por vezes estafantes, mas nunca deixou de atender pedidos para palestras ou debates. Foi um entusiasta da Conferência de Política Externa que montamos na UFABC, em 2013, com o esforço exemplar – entre outros – de Giorgio Romano, Gonzalo Berron, Igor Fuser, Iole Iliada Lopes e dezenas de professores, alunos, ativistas que – de forma injusta, eu sei – não vou conseguir lembrar aqui.
7.
Brincava comigo. Você é a direita do PSOL e eu a esquerda do PT. Ainda vamos estar no mesmo partido. Estivemos, por muito tempo, embora eu fosse um militante para lá de irrelevante. No fundo, Marco Aurélio era um dos raros que se batia por uma esquerda ampla, plural e afiada nos propósitos. Intelectual sólido, com trânsito entre vertentes políticas variadas de todo o mundo, MAG era de fato único. Não há outro semelhante ou substituto não apenas no PT, mas na esquerda brasileira.
8.
Eu estava numa banca de mestrado, quando, meio por acaso, vi a notícia de sua morte no celular. Uma pancada. Isabel Lustosa chama atenção para algo de suma importância: “A gente não pode deixar de pensar em como esse massacre diário, ao longo de mais de doze anos, deve contribuir para a morte de gente como Marco Aurélio Garcia”. Não podemos deixar de pensar nisso não. Ao mesmo tempo, é fundamental ver que, com toda a tensão, MAG jamais saiu da linha de frente dos combates, mesmo com custos políticos e pessoais altíssimos.
9.
Quando alguém como Marco Aurélio Garcia se vai, vale a pena olhar para o lado de lá, o lado da escória que nos assalta, e ver como eles são mínimos, medíocres e rasteiros. Se não existe um substituto do lado de cá, o lado de lá não tem figura que a ele se ombreie.
Nós não perdemos Marco Aurélio Garcia. Nós o ganhamos por 76 anos..
Parabéns Hildegard pela homenagem ao nobre Marco Aurélio Garcia!!!!
Só quem ama o Brasil e luta contra a Histórias das Desigualdades sabe Honrar os grandes nomes de nossa Terceira República!!!
Homens e Mulheres que lutam para construir uma Nação!!!
Formação Histórica Econômica nas escolas já!!!!
Mil vezes Bravíssimo Sr.Paulo Roberto Eymael!
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Sr.Paulo Eymael, o trecho que diz: ” o lado da escória que nos assalta, e ver como eles são mínimos, medíocres e rasteiros”, está se referindo a pessoas como você.
Essa avaliação partindo do Sr. me soa como elogio.
Quantos já se foram, massacrados durante anos, por denúncias caluniosas, acusações falsas, destruição sistemática de suas reputaçoes e deformação de suas imagens, transformados em criaturas monstruosas no imaginário de milhões de incautos pelo trabalho cientificamente dirigido de forma competente e sistemática pelos sicários da plutocracia, a serviço dos canais de comunicação controlados por empresários bandidos? Quantos não odeiam José Dirceu sem ter a menor noção de quem ele é e nem porque o odeiam? Foi-se Gushiken. Foi-se Dona Marisa. Foi-se o Marco Aurélio Garcia e se foram tantos outros. Quem poderia e como seria possível reparar a reputação e anos de vida perdida de Genoino e José Dirceu. Esse acusado e condenado à prisão pelo Domínio do Fato onde nunca houve o domínio e muito menos os fatos foram jamais comprovados na denúncia de suposta compra de votos de parlamentares para obtenção de votos a favor de projetos de interesse do Governo, no Congresso Nacional, no farsesco e midiático julgamento (??) do Mensalão, que a Hildegard Angel, com grande felicidade, denominou de MENTIRÃO. Como se não bastassem a tortura e o linchamento praticado contra ele durante oito anos, de 2005 a 2013 e a tortura e humilhação da prisão espetacular que lhe fora imposta, os novos meninos prodígios da Globo/Mossack-Fonseca o condenaram a aprisionaram novamente por supostos crimes que não se comprovam e enriquecimento que não foi e jamais poderá ser demonstrado. Posto tudo isso, como é que se compreende que alguém, que é o alvo principal de toda essa perseguição, e sabe muito bem disso, que sofreu maiores e piores ataques, mais cruéis e continuados que todos os desfechados contra seus companheiros de luta, ainda sobrevive e, mais que isso, não arreda pé do campo de batalha político que abraçou há mais de 35 anos? O grande chefe máximo dos dois supostos maiores escândalos de corrupção do PLANETA, construídos pela mídia venal, atuando em parceria, de modo assemelhado à previsão do crime de formação de quadrilha com o judiciário corrupto, os chamados MENTIRÃO e o PETROLÃO, teria amealhado, no comando dessas ações criminosas, segundo o cínico de Curitiba, uma fortuna próxima de dezesseis milhões de reais. Embora seja uma ninharia em comparação às cifras declaradas e escandalizadas pela imprensa, já seria uma prova, se fosse verdade, de que o Lula, embora tivesse se revelado um chefe de quadrilha desapegado a valores materiais, de que ele teria enriquecido de forma suspeita. Mas quando o Savonarola de Curitiba mandou bloquear a fortuna do criminoso compulsivo MOR, a suposição da nova celebridade construída pela Globo/Mossack-Fonseca não se confirma. Ao contrário. Ao revelar que mandou bloquear milhões e só encontrou 0,6 milhões, dinheiro de pinga, comparado às fortunas espalhadas em paraísos fiscais, de propriedade dos verdadeiros corruptos, protegidos do judiciário comparsa, comprovou, mais uma vez, ao contrário do que pretendia, novamente, a inocência do irredutível inimigo. Passou ao acusado um atestado de honestidade extraordinário. Porque o suspeito não é um cidadão comum qualquer. Trata-se de um ex-Presidente da República que entrou e saiu desse cargo POBRE, tendo comandado durante oito anos as decisões sobre a aplicação de cerca de pouco mais de TRÊS TRILHÕES DE REAIS, do Orçamento da União. Trata-se não apenas de um fenômeno de rara e extraordinária honestidade de um mandatário, caso único no Brasil, senão no planeta Terra, mas revela, acima de tudo isso, a inacreditável capacidade desse singular Homem Público de escapar do cerco e do assédio incessante dos agentes corruptores, durante todos esses anos. Esse é um caso extraordinário em que se levantaram forças descomunais para destruição de um projeto político e do homem que o conduz e representa, mas esse homem tem a força moral a a obstinação em cumprir a sua missão, maiores que os poderes que contra ele se levantaram. Como disse o desassombrado e irredutível combatente, eles têm a Globo/Mossack-Fonseca ao seu lado. Eu tenho comigo o POVO BRASILEIRO.
Avaliação capenga, típica de um bonomo amestrado.
Ele comemorou a desarticulação da primeira articulação de golpe de direita que tentava culpabilizar o presidente Lula pelas mortes do acidente da TAM.
Lembram?
O movimento chamava-se ” Cansei”.
Parece que a maioria dos brasileiros nascem com o espírito Macunaíma encrostado em sua alma. O movimento ” cansei ” logo se cansou. Pena.
Começou a vitimização. Isabel Lustosa falou “A gente não pode deixar de pensar em como esse massacre diário, ao longo de mais de doze anos, deve contribuir para a morte de gente como Marco Aurélio Garcia”
O MAC tinha 76 e com cardiopatia, morreu na faixa de idade em que a maioria dos brasileiros morre. Sem dúvida 12 anos de massacre devem ter contribuido para apressar sua morte. Massacre bom esse… charutos cubanos, rum de qualidade, bons vinhos . Não sei se tinha requinte suficiente para degustar um caviar.
As coincidências às vezes me assustam. Enquanto muitos pranteavam a morte de quase 190 passageiros no acidente em Congonhas, há exatamente 10 anos atrás e recordavam com horror a reação leviana de MAG na época, ele estava vivendo seu último dia nesse mundo.