Os telejornais assombram nosso cotidiano com crimes, corrupção, notícias desalentadoras. Tão ocupados estão nesse exercício de sedução através do noticiário de terror que passam batido diante de assuntos que certamente encantariam nossas vidas e nossos olhos. Querem um exemplo? Os 200 anos da Associação Comercial da Bahia, em plena alta temporada de celebração. É a mais antiga entidade de classe do Brasil, das Américas e da Europa Ibérica! E isso não sem motivo, pois a Bahia tinha o maior porto do Hemisfério Sul. A riqueza do Brasil-colônia estava na Bahia! E ela deixou de ser Capital, não por questões econômicas, mas por conveniências políticas, pois era o Rio de Janeiro que guarnecia a exportação do ouro de Minas Gerais…
Por isso, meus amores, quando vocês forem à Bahia, não deixem de visitar o prédio magnífico da Associação Comercial da Bahia, construído sobre as ruínas do Forte São Fernando, que jamais funcionou, jamais deu um único tiro, pois imediatamente foram construídas casas em seu entorno, inviabilizando sua função…
Dá gosto olhar para a beleza arquitetônica e histórica do prédio na Praça Conde dos Arcos, no bairro do Comércio, endereço importante pois foram os comerciantes os pioneiros no desenvolvimento e no progresso do Brasil. Ali foi criado o primeiro curso de contabilidade do Brasil, em 1846. Tudo no prédio é História. A cavalo, o poeta Castro Alves subiu suas escadarias e adentrou os salões em estilo francês, onde declamou seu último poema de protesto, cheio de indignação contra os desmandos políticos da época. E esta cena eu gostaria de ter visto, ah, como gostaria!…
Foi Dom João VI com o Conde dos Arcos quem autorizou a construção da Associação Comercial baiana, para defender os empresários e também os interesses da sociedade. Duas vezes ela foi visitada por Dom Pedro I. Recebeu as visitas de Washington Luís, Deodoro da Fonseca, Getúlio Vargas. Sua arquitetura é fruto da interferência inglesa na arquitetura da maior Colônia Portuguesa nas Américas e berço do capitalismo no Brasil. Mas todo o seu décor interno reflete a grande influência cultural da França, numa época em que era chique ser francês. Moda que atravessou o século 19 e só foi superada na segunda metade do século 20 com a influência americana…
Ali, na Associação, está o Monumento do Riachuelo, que ilustra o grande apoio da ACB para o Brasil vencer a guerra contra o Paraguai. Um quadro pintado por Portinari, datado de 1952, retrata lindamente a chegada da família real ao Brasil e a abertura dos portos. Uma outra pintura retrata com tintas de sangue o ataque da cavalaria do conselheiro (governador) Luiz Vianna, em 1899, numa violenta repressão à Revolta do Comércio, um manifesto da “classe caixeiral”, que não concordava com as políticas de Vianna e mesmo com sua eleição, que julgava fraudada. O comércio revidou o ataque fechando por vários dias, e isso é História, meus amores…
Os sinos da ACB funcionam desde o início da casa. Informavam as horas, os sinistros, que eram sobretudo os incêndios e anunciavam a chegada de navios com mercadoria ao porto. E continuam sonando pitorescos e cheios de poesia, hoje apenas no contar das horas…
A a alta sociedade baiana frequentava os eventos sociais da ACB, onde a parte externa do salão nobre eram sempre ocupadas pelos homens, os grandes empresários, e suas mulheres ficavam na parte interna, menos expostas. As mulheres, aliás, eram convidadas para “tomar um copo de água”, pois não ficava bem nem era de bom tom as senhoras beberem álcool em local público…
Atualmente, a ACB é presidida por Eduardo Morais de Castro, presidente da Bahia Gás, que ontem lançou o livro da jornalista Alessandra Nascimento sobre a ACB. Um evento quase tão concorrido quanto a festa dos 200 anos, cujas fotos vocês podem ver aqui…