Acordei e como sempre faço fui dar um rolê nos jornais do dia. Ops, no jornal do dia. Pois o Estado do Rio de Janeiro, ex Capital Federal, hoje se restringe a jornal único, reunindo consagrados colunistas, numa harmoniosa concordância de opiniões.
Neste mar plácido de unicidades, sem marolas ou discrepâncias, naveguei em meu berço esplêndido matinal, sem riscos de ser seduzida por qualquer corrente divergente, que me engolisse e puxasse para o oceano das análises profundas, das dúvidas e contradições, dos questionamentos agudos, das análises consequentes.
O tema predominante era o “rolezinho”, que ninguém me ouça proferir a gíria, pois já foi devidamente excomungada e salgada hoje, por um jovem bispo do periódico, classificada por ele como “cafona e patética”, e ainda por cima identificada como obra ardilosa de “algum soldado de José Dirceu” dado à prática de “bolar vírus sociais”.
Fiquei pensando em Dirceu, em sua prisão fechada, fechadíssima (@royalties para Valdirene), fazendo faxina na Papuda e arregimentando, entre vassouras, baldes, escovões e panos de chão, seus soldados viróticos, certamente graças ao precioso dom da paranormalidade, que o faz emitir mensagens mentais a longa distância.
Um respeitável colunista decano reflete preocupado, em seu espaço, se o fenômeno rolezinho seria caso de polícia ou de política. Um terceiro articulista vê nos “rolezinhos” a oportunidade de atentar para “o despreparo da nossa segurança – seja ela pública ou privada – para agir em eventos de alta concentração de pessoas” e identifica o enfraquecimento do pacto de convivência pacífica da cidade. Com seu olhar de urbanista, ele faz a inevitável comparação com Barcelona “mostrou que isso (a convivência) foi possível nas Olimpíadas de 1992”, graças à “conciliação das atividades rotineiras com o fluxo permanente de turistas”.
Verdade é, que, no caso específico do Rio, os “rolês” dos turistas neste verão vêm mesmo sufocando os cariocas, que perderam domínio de seu espaço, a praia, ocupado pelos ETs (como em Paraty a turma local chama a turistada).
Mais umas viradas de páginas no jornal e, depois de ler que o Judiciário, o Ministério Público, o Movimento Sem Teto, o ministro Gilberto Carvalho, todos aderiram à mania do verão, a “dança do rolezinho”, identifico, afinal, não um ensaio de deduração, condenação, in / tolerância, proibição ou repressão, mas a busca de uma solução para os “rolezinhos”, uma visão sensata, com proposta e alternativa. Me acompanhem:
*A proposta:
“Definitivamente precisamos de mais empregos de verão e de mais programas pós-aulas para esses jovens, e precisamos de mais apoio dos pais”.
*A alternativa:
“Na agenda do prefeito está o aumento de impostos de contribuintes com renda superior a um milhão e meio e reais por ano para financiar uma ampla rede de pré-escolas e programas pós-aulas”.
Infelizmente, meus caros leitores, nem proposta nem alternativa são coisas de nosso planeta Brasil. *A proposta partiu de Shelly Yanoff, diretora executiva de um grupo de defesa de crianças e adolescentes da Filadélfia, e *A alternativa está na agenda do novo prefeito de Nova York, Bill de Blasio, tendo esta colunista feito a conversão, para reais, da renda de US$ 500 mil.
Este muito bem-vindo artigo publicado no jornal O Globo de hoje é assinado pela ótima correspondente Isabel De Luca e relata a solução encontrada por um shopping de Brooklyn, em Nova York, no dia seguinte a um assustador “rolezinho” local: proibir a entrada de menores de 21 anos desacompanhados de adultos.
PS: Quanto ao efeito “virótico” do termo rolê / rolezinho (“cafona e patético”), a contaminação vem de longe, lá do final dos anos 60 / início dos 70, quando a expressão foi celebrizada pelos Novos Baianos, numa época quando, segundo definição de Marco Aurélio Garcia, “se um estrangeiro chegasse aqui, fosse ao teatro, ao cinema, aos shows, às livrarias, lesse os grandes articulistas, pensaria que estávamos num país de esquerda; enquanto nos dias de hoje, se um estrangeiro chegar e fizer a mesma coisa, pensará que estamos num país de extrema direita”.
Dê Um Rolê
Os Novos Baianos
Não se assuste pessoa
Se eu lhe disser que a vida é boa
Não se assuste pessoa
Se eu lhe disser que a vida é boa
Enquanto eles se batem, dê um rolê e você vai ouvir
Apenas quem já dizia,
Eu não tenho nada
Antes de você ser eu sou
Eu sou, eu sou o amor da cabeça aos pés
Eu sou, eu sou, eu sou o amor da cabeça aos pés
E só tô beijando o rosto de quem dá valor
Pra quem vale mais o gosto do que cem mil réis
Eu sou, eu sou, eu sou o amor da cabeça aos pés
Eu sou, eu sou, eu sou o amor da cabeça aos pés
Gal Costa gravou e cantou lindamente em seu disco FA-TAL, de 1971. Ver no You Tube.
Penso que tem mais a ver dar o credito para a expressão “cafona” à memorável e lamentavelmente efêmera passagem da banda Mamonas Assassinas que em uma canção tratou exatamente do fascínio do pobre (retirante) pelos ambientes de consumo sofisticado dos Shopping Centers na letra de “Chopis Centis”, nessa estrofe:
“Esse tal Chopis Centis
Eh muntcho légalziuum
Pra lévá as namorada
E dá uns roléziuuummm
Quando eu estou no trabalho
Não vejo a hora de descer dos andjaime
Pra pégá um cinema
Ve um Shuazinegui
E tchombém uns Van Djaime”
Os corintianos deram rolês monstruosos em Shoppings japoneses na final do Mundial de Clubes e não foram espancados pela policia japonesa. Se os japoneses serem rolezinhos em nossos Shoppings durante a Copa serão espancados pelos PMs?
Hoje um Shopping fechou para evitar um rolê de militantes do movimento negro. Amanhã vai ter rolezinho de nazista no Ibirapuera. Como os jovens brancos racistas serão tratados pelos policiais ?