Os zeladores da cultura cubana reagem ao primeiro alerta.
Artistas, intelectuais, escritores, mesmo favoráveis à abertura de Cuba ao mundo, acendem o sinal vermelho e chamam a atenção dos gestores da ilha sobre os riscos da investida do dinheiro grande da cultura pop sobre os valores cubanos, que devem ser preservados. Eles querem o intercâmbio cultural, mas mantendo preservada sua identidade e sem importar “o ruim dos americanos”, como foi nos anos 30 e 40.
Houve Rolling Stones. Houve a produção de mais um filme da série “Velozes e Furiosos”. Houve desfile da coleção verão 2017 da Chanel. E vai haver a produção do quinto filme da série “Transformers”…. Tudo isso na simpática ilha do Buena Vista Social Club..
Após ler o artigo abaixo, que traduzi para vocês – e cuja leitura recomendo – fui conferir mais atentamente a coleção criada por Lagerfeld para Chanel e desfilada na Ilha de Cuba, para frisson dos fashionistas em geral. É bonita, é fosforescente, mas é um desperdício de tema, pois ignora a história de resistência daquele povo corajoso, brioso e sofrido, a emoção, a garra, o destemor, ignora muita informação, um tanto de sacrifício, memória, drama e superação. Muito ingrediente para um caldo substancial de inspiração extraordinária, que não foi, contudo, exibida na passarela.
Foi vista uma coleção bonita, graciosa, mas perdeu-se a oportunidade de uma coleção histórica de moda, no contexto internacional. Cruise é mais uma coleção glamourosa, em mais um cenário instigante.
O intenso ritmo de produção criativa de Lagerfeld, o último dos veteranos em atividade, talvez não lhe tenha permitido a oportunidade de um trabalho extraordinário, talento para isso ele tem. Quem sabe precisasse ter também o ímpeto de um Galliano, o voo de um McQueen, a ousadia de um Mugler ou um Lacroix. O atrevimento de uma Chanel.
Leiam aqui esse artigo de Michael Weissenstein, da Associated Press, do BoF, Business of Fashion, http://www.businessoffashion.com/
AS FÉRIAS DE CHANEL EM CUBA
O tsunami triplo do capitalismo global que se abateu sobre a socialista Cuba este mês gerou um intenso debate sobre a desvantagem da distensão com os Estados Unidos.
Artistas, escritores e intelectuais, que acreditam profundamente na abertura de Cuba ao mundo, estão questionando a gestão do seu governo de um ataque do grande dinheiro da cultura pop.
Em uma ilha que se orgulha de igualitarismo, soberania e o seu longo histórico de realizações nas artes, muitos estão criticando abertamente ofertas opacas de empresas multinacionais, que procuram cenários pitorescos para perseguições de carros e desfiles de vestidos de verão. “A essência da coisa é que somos um país com uma história particular, que tem uma cultura particular. Temos que ser conscientes desses valores e mantê-los em mente quando é hora de negociar”, disse Graziella Pogolotti, uma crítica cultural de 84 anos, que escreveu um longo editorial na mídia estatal clamando a uma reflexão mais profundo sobre o intercâmbio de Cuba com marcas do entretenimento internacional.
Os cubanos começaram a reclamar logo após o início da filmagem em Havana da oitava edição da franquia altamente lucrativa do filme de ação “Velozes e Furiosos”. Nas esquinas e nas salas de estar, homens e mulheres trabalhadores questionaram como eles iriam beneficiar de uma produção que estava causando engarrafamentos aparentemente intermináveis - um fenômeno novo em uma cidade onde relativamente poucas pessoas possuem carros.
Então veio a chegada do “Adonia”, o primeiro navio de cruzeiro dos EUA a atracar em Cuba em quase 40 anos.
Em todo o mundo, os telespectadores assistiram a americanos, com aspecto próspero, recebidos por bandejas de bebidas de rum e dançarinos afro-cubanos em acanhados trajes de banho, modelados com a bandeira cubana. Para muitos cubanos, um espetáculo unindo os piores estereótipos exóticos sobre seu país com desrespeito a um símbolo da independência.
Em 24 horas, o mundo de ricos e famosos já estava descansando nos bancos dos parques, no majestoso boulevard colonial Prado, onde modelos esbeltas exibiram roupas de Chanel, da sua “Cruise Collection – verão 2017”, que pareciam inspiradas na Cuba pré-revolucionária.
A audiência majoritariamente estrangeira chegou ao local em carros clássicos americanos, especialmente contratados para a ocasião.
Os moradores de Havana tiveram que assistir ao show de moda por trás das cercas da polícia, mais do que a uma quadra de distância.
Um ano e meio depois de os EUA e Cuba declararem a distensão, e um mês depois de o presidente Barack Obama visitar Havana, parecia que o mundo do comércio e do entretenimento global finalmente desembarcava em Cuba com toda força.
Muitos cubanos ficaram exultantes. Consumidores ávidos de cultura americana em TV e filmes pirateados congratularam-se ante a visão de estrelas de cinema andando pelas ruas de um país, que muitas vezes se sentiu isolado do mundo exterior.
Muitos se disseram esperançosos de que os milhões gastos nessas produções iriam melhorar a vida para aqueles que ainda não se beneficiaram do aumento do turismo pós-distensão. Mas a atitude de pessoas, que se sentiram pessoalmente ofendidas e excluídas dos eventos, começou a se traduzir no ceticismo sobre se o novo status “inn” de seu país ajudaria a melhorar suas vidas. “Eu amo o fato de o mundo estar olhando para nós, estar se voltando para Cuba, mas até agora eu não percebo que isso esteja trazendo benefícios reais e concretos”, disse Alberto O’Reilly, um bibliotecário de 22 anos expulso pela polícia da esquina de uma rua enquanto tentava assistir ao desfile de Chanel.
Para alguns cubanos, os óculos chamativos usado pelas modelos recordaram os dias pré-revolucionários, quando os americanos ricos viam Cuba como um playground tropical e sexy, ignorando os problemas das pessoas que viviam na ilha. Época famosa pelo fechamento, por Fidel Castro, dos casinos e nightclubs mais sórdidos, assim que ele chegou ao poder. “É muito importante que nós não endossemos o retorno do que os americanos têm de pior”, disse Desiderio Navarro, um editor e crítico amplamente respeitado. “Nós não estamos na década de 1930 ou nos anos 40 e não devemos repetir os erros do passado.”
Essa reação pública começou um dia após o fashion show de Chanel, com um post notável escrito por Sergio Gomez, o editor internacional do Granma, jornal oficial do Partido Comunista de Cuba.
Gomez, 28, registrou no site de blogs Médio um post dilacerante em que pediu aos líderes de Cuba para explicarem melhor suas relações com os objetivos de Chanel e da NBC Universal, a gigante do entretenimento, que rodou “Velozes e Furiosos” em Havana.
“Seria difícil derrubar a revolução, muito menos a revolução de Cuba, com as filmagens de um blockbuster de Hollywood, helicóptero incluídos, ou com o fechamento da Avenida Prado para mostrar a “Cruise Collection” de uma famosa marca da moda francesa”, ele escreveu. “Mas a maneira como estes eventos são interpretados no contexto de um processo de mudança, que vai definir o destino de 11 milhões de pessoas, pode subverter o consenso social que o país manteve por mais de meio século.”
“Havia muitas pessoas na Avenida Prado tentando ver o show”, escreveu, “mas havia ainda mais gente nas lojas, tentando encontrar bens básicos com preços reduzidos recentemente, como frango e óleo de cozinha.”
A crítica de arte Pogolotti chegou perto. Em uma carta aberta no jornal estatal Juventud Rebelde ela reconheceu que “Cuba precisa de comércio, investimento e turismo, a fim de enfrentar as dificuldades econômicas que nos afligem”.
“Mas as exigências da realidade não podem nos fazer esquecer que devemos, acima de tudo, lutar pela soberania nacional”, escreveu. “Isso significa que devemos, em cada caso, definir as regras do jogo. É responsabilidade de todos exigirem o respeito à dignidade de nossos cidadãos.”
Três dias depois, o Juventud Rebelde publicou uma entrevista trazendo um confronto invulgar entre o repórter Onaisys Fonticoba Gener e Roberto Smith, presidente do Instituto do Cinema, que lida com produções estrangeiras.
Onaisys perguntou a Smith quanto a NBC Universal estava pagando para filmar “Velozes e Furiosos” em Cuba e onde o dinheiro estava indo. Smith pulou a primeira pergunta e assegurou que o dinheiro iria para apoiar cineastas cubanos.
A União Oficial de Escritores e Artistas de Cuba também se queixou de que a recepção aos cruzeiros oferecia “uma visão deplorável para aqueles que visitam o nosso país pela primeira vez.”
Ainda assim, parece que não faltarão a Cuba oportunidades para acertar.
Michael Bay, diretor da série “Transformers”, baseada nos robôs de brinquedo de 1980, disse em seu blog esta semana que a produção de seu quinto filme está prestes a começar, esta semana … em Cuba!
“Coleção Cruise Chanel 2017” | Fonte: Cortesia HAVANA, Cuba – “Fast and Furious”. navios de cruzeiro dos EUA. A celebração privada repleta de estrelas de Chanel.
A alerta é bem vinda, Cuba já foi usada como parque de diversão e prostíbulos pelos norte-americanos, lamento Zuzu Angel, com seu talento e sua experiência de vida, que perdeu um filho querido, herói brasileiro, não esteja viva para desfilar sua coleção no Caribe, os torturadores foram treinados na USA – pode parecer que uma coisa nada tem a ver com outra, mas tem. Viva Cuba. Viva a Revolução. Vivas a Stuart Angel e Sonia Angel. Abraços a todos.
Concordo Hilde.
Só um breve exercício hipotético e realista. Se Cuba tivesse uma fração das jazidas minerais da Venezuela, ou uma pequena porcentagem da riqueza mineral do Brasil, a histórica, violenta e heroica Revolução Cubana não teria resistido as pressões internacionais a metade do tempo que resistiu, durante mais de dez anos, a revolução social democrática e pacífica realizada no Brasil, nos anos recentes.
Venezuela esta tao “bem” que o povo nao tem o que comer……Os assassinatos pelo louco do Maduro contra aqueles de opiniao contraria, estao expostos.Quem defende este regime, deveria urgentemente mudar-se para la.Ainda ontem falamos com amigos que eram de esquerda e que hoje, so lamentam nao terem direito nem a papel higienico, nem a farinha…NIETT.
Grande trabalho do presidente Obama…..mas que insensatez levar o desfile da Chanel para la….
Again,Hilde:http://www.globalresearch.ca/the-true-story-of-the-bilderberg-group-and-what-they-may-be-planning-now/13808
Caríssima Hilde, eu acho que os cubanos podem muito bem assegurar seu patrimônio artístico cultural material e imaterial com a abertura de Cuba, que modéstia a parte começou com a Odebrecht nos governos do PT, com o aumento da receita do estado comercialmente livre, eles podem aumentar os subsídios estimulantes do modus vivendi mais tipicamente cubano. Além do que podem muito bem excursionar na China e copiar o modelo de mercado chinês depois da mistura exitosa pós-maoísta. Saudades do Rio e do seu povo. Abraço ALS.
Eu não acho nada. Eu acho que eles devem saber o que é melhor para eles. O que eu posso achar eu achei: a coleção do Lagerfeld desperdiça um bom tema e faz um trabalho aquém da expectativa. 😉
Cuba será totalmente americanizada nos próximos dez anos. É inevitável. Para desespero da esquerda caviar brasileira, que ama uma boca livre.
Sr. Fernando, se isto acontecer, os americanos não vão ter trabalho com educação e saúde, mas eu torço que não ocorra, a sociedade americana é doente e vai contaminar.
Prezado Álvaro Lins e Silva,
Me permite, contraria-lo: A Odebrecht não começou nos governos do PT, a Organização remonta ao ano de 1856, data da chegada de Emil Odebrecht ao Brasil seguindo o fluxo da imigração germânica no Brasil. Veio trazendo uma nova tecnologia de cimento armado e de estrutura metálica que deu suporte aos grandes empreendimentos de engenharia a partir da Proclamação de República, e que infelizmente não soube assegurar a preservação do patrimônio cultural, material e imaterial, especificamente na parte que me toca, o bairro de Copacabana.
Ao se instalar em nossas praias, deu-se o início a destruição de todas as casas, chalés e vilas para dar lugar aos espigões de cimento armado em menos de 20 anos.
Se Cuba começar a ficar eufórico e desejar o que não pode ter com as novidades capitalistas norte americana e europeia que ora se pronunciam em sua terra, acredito que não levará duas décadas para que a sua história cultural-patrimonial, junto com a sua peculiaridade e identidade, terá sumido.
Um Povo sem o conhecimento da sua história, é um Povo sem Soberania. Um Povo ignorante será sempre inimigo da razão e escravo voluntário da tirania econômica.