A sossegada Rua Conde de Irajá, em Botafogo, ali junto do tradicional Largo dos Leões, há pouco mais de duas semanas testemunha curiosa o nascimento daquela que pode ser a musa deste e de muitos verões cariocas. Para conhecê-la e cortejá-la, todas as noites se sucedem, discretos, séquitos de carros silenciosos, dos quais descem pessoas educadas, vestidas de modo descontraído e descolado, combinando com o décor da casa antiga do nº 109, construção do início do século passado, à qual um dos grandes nomes da arquitetura de interiores do Rio, Maurício Nóbrega, emprestou sua sensibilidade e talento…
No rastro de todos esses curiosos, fui eu também atrás de mais esse fenômeno carioca, que alguns muito bem informados já devem ter percebido tratar-se do novíssimo Irajá Gastrô, a musa gastronômica do verão, o restaurante que une o bom gosto e a sofisticação internacional de Bete Floris à grande cozinha contemporânea do chef Pedro Artagão…
Encontrei uma casa ainda sem letreiro na porta, com vidraças embaladas ainda por serem instaladas, e mesmo assim o doorman, vestido de modo esportivo, dizia aos que chegavam, “as mesas estão todas ocupadas para o jantar, os senhores fizeram reserva?”. Bete já nos esperava no living room da casa, onde os comensais aguardam suas mesas confortavelmente instalados em cadeiras estofadas com design modernista, algumas delas de balanço (delícia!), em torno de mesinhas baixas de centro com pés de palito, em forma de amebas, estilo tão em voga nos anos 50, com direito à bossa do Nóbrega das paredes com emboço descascado, deixando vislumbrar a idade da construção através dos tijolos antigos aparentes, e o pé direito muito alto valorizado pela iluminação do Maneco Quinderé. Ao fundo da sala, um bar, e aí começa a cozinha, aberta à vista de todos, totalmente high tech, com sua limpeza, seu pessoal muito bem uniformizado e seus aços e aços e aços. Ah, que agradável é sentir-se num cenário em que o bom gosto reina, o charme impera e a identidade contemporânea é de lei!…
Bendita demora do Aldo Floris, marido da Bete, que nos permitiu uma segunda rodada daquele pão dos deuses servido com os aperitivos. Dos deuses, não. De Deus! Até apelidei de “pão da Última Ceia”. De tão gostoso e de tão parecido com o pão que vemos nas pinturas renascentistas servido na última ceia cristã. Só que, me perdoem os Apóstolos, na ceia deles não tinham as nossas três pastinhas de converter qualquer pagão pecador…
Passemos à mesa. O ambiente de jantar é na área dos fundos do casarão, onde foi plantado um jardim vertical. Ainda na parte edificada, há a sala gourmet, apenas para oito pessoas, mesa redonda sob um fantástico lustre do designer alemão Ingo Maurer, lembrando uma daquelas esculturas-aranhas da americana Louise Bourgeois, com visão para a cozinha do chef Artagão e sua equipe. O cardápio, todo cheio de bossa, impresso em papel reciclado, traz os pratos divididos em “Primeiros” (as entradas), “Segundos” (prato principal), “Terceiros” (as sobremesas) e “Degustações”…
Nos “Primeiros”, o que bombou em nossa mesa foi o “Galinheiro”. Quer dizer, “ovo orgânico caipira, glace de galinha caipira, curau de milho e crocante de canjiquinha”. Tipo um oeuf bénédictine à brasileira, que nada fica a dever à versão francesa do prato servida no Le Bristol, considerada a melhor de Paris…
Nos “Segundos”, recomendo com louvor a “blanquete de mariscos com espaguetine de nori”. Mas o “risoto primavera quase sem arroz”, escolha da Lucia Grossi, também mereceu rasgados elogios. Outro: “Costelinha ao barbecue, bolo de fubá ao Grana Padano, maçã caramelada”…
Como sobremesa ou “Terceiros”, as meninas, ajuizadas, foram de “Pomar”, Aloe Vera, enquanto os maridos, esses tresloucados, dividiram um bolo quente de brigadeiro e um mil folhas de creme. Informação importante: a Perrier-Jouët é uma das parceiras da casa, então sempre tem um maravilhoso champagne borbulhante no refrigerador…
Afinal, o que levou Bete Floris, empresária do setor editorial, a abocanhar, gulosa, também a gastronomia? “Eu adoro comer bem. Não cozinho, mas persigo o prazer da boa comida, e meu marido, Aldo, também. Somos companheiros nessa jornada, atrás de bons restaurantes, em viagens e aqui no Rio, e temos escolhas gastronômicas parecidas”, ela diz. O casal é fã de comida italiana e elegeu como seu restaurante favorito no mundo o incrível La Rosetta, em Roma, próximo ao Pantheon. Bete e Pedro Artagão se conheceram há muito tempo, entre muitas conversas, após muitos almoços e jantares, no restaurante onde ele era o chef, o Laguiole, no MAM. Ao longo desse tempo, a ideia antiga de Bete de ter um restaurante ganhou forma até amadurecer e ela resolver enfrentar o desafio ao lado do amigo…
A mistura de estilos, contemporâneo e retrô, acontece na decoração daquele que é, sem medo de errar, um dos restaurantes mais bonitos da cidade e também na sua cozinha impecável. Artagão explica: “Gosto de fazer a comida que gosto de comer. Faço releituras, minha cozinha é assim. Nada é o que parece ser. Uma salada caprese não é uma mera salada caprese e sim uma coisa diferente com os mesmos ingredientes. Uma canja é uma canja diferente”. A cada prato, Pedro revela um mundo novo, remete a uma experiência diversa…
A vibração de todos os profissionais envolvidos é aquela de quem sabe que está participando de algo importante. Do porteiro ao chef aos garçons, todos parecem perceber que fazem parte de um projeto muito especial. Uma estreia fadada ao sucesso “refletido no prazer no rosto de cada um”. A frase está assim entre aspas pois foi dita pelo chef Artagão quando nosso repórter lhe perguntou o que buscava como retorno ao seu trabalho de doação na cozinha…
E antes de partirem não deixem de notar o poste todo grafitado pelo artista plástico Guga Liuzzi ou de sentir, mesmo do corredor lateral externo do restaurante, os aromas maravilhosos que vêm da cozinha…
A Conde de Irajá está ampliando as opções gastronômicas na Zona Sul do Rio. Quem procura uma novidade pode rumar para Botafogo…
Fotos de Sebastião Marinho / Colaborou o repórter José Ronaldo Müller