Realmente, são criminosas as violações do sigilo fiscal ou de qualquer outro tipo de sigilo a que têm direito os cidadãos brasileiros. O ministro Mantega, quando afirma que as violações na Receita Federal são muito mais numerosas do que as ora constatadas, faz aumentarem nossas preocupações com essas intrusões criminosas. Nada disso surpreende. O que é surpreendente é o pasmo generalizado da grande mídia diante de um fato notório que ela própria já propalou, no ano passado, com reportagens de TV que mostravam disquetes com a relação dos grandes pagadores de tributos sendo oferecidos e vendidos nas esquinas paulistas. Foi preciso se passar mais de um ano desde lá para a ficha desses órgãos de comunicação cair e eles verem nesse fato, que já lhe valeu matérias, motivo de escândalo, servindo a suas conveniências eleitorais. Escândalo era desde o princípio, mas então sem alguma motivação específica para lhe dar o relevo que agora ganha, favorecendo o candidato Serra.
Tal desfaçatez de alguns órgãos da imprensa também é um escândalo. O escândalo da hipocrisia, do falso moralismo, da manipulação da boa fé dos eleitores incautos, tentando-se com isso criar um fato novo, uma ilação mesmo que indireta com a campanha da candidata Dilma Rousseff, buscando mudar o rumo do ponteiro de suas pesquisas, que só faz mirar para o alto.
Agora, se vamos falar de escândalo, passemos direto ao principal, ao cerne, ao X da questão: àquilo que dá origem e motiva as desconfianças que levam bisbilhoteiros inconseqüentes (ou não) da Receita a fuxicarem as declarações de renda de homens públicos, seus parentes e seus correlatos, partindo da premissa, nem sempre verdadeira, de que onde há fumaça há fogo. Efetivamente escandaloso é, num país em que a corrupção é endêmica e generalizada, homens públicos fazerem beicinho e se permitirem ares de ofendidos quando são postos em situação de desconfiança.
Sugiro a esses homens honrados tratarem de rapidamente dirimir qualquer desconfiança tornando públicas suas declarações de renda e de seus familiares e sua evolução patrimonial, antes, durante e depois dos cargos públicos ocupados.
Passariam, assim, ao largo das inevitáveis conjeturas caluniosas, num Brasil em que figurinhas políticas carimbadas, supostamente vivendo apenas dos salários, “enricam” de um dia para o outro, mudam de bairro, de turma, de status, com o maior despudor e cara de ontem, e passam de burro de carga a pomposo cavalo de raça, dando baforadas ostensivas em charutos importados, arrotando vinhos das melhores cepas, desfilando mulheres-vitrines de joias, canetas Mont Blanc, valises Vuitton e quando mais grifes maior o descaramento daqueles que sabem que, de tanto ser roubado, o povo brasileiro até já se acostumou à triste sina, dando à tragédia tratamento de predestinação.