Amanhã é 1º de abril, Dia da Mentira, Dia do Golpe Militar, que manchou de sangue, lágrimas, tristeza, angústias maternas, aflições, apreensões e desespero o Brasil, ao longo de duas décadas de Estado de Exceção. Com a devida vênia aos cinco anos finais daquele regime, quando, no governo da “Abertura” do general João Figueiredo, os exilados puderam retornar ao país, houve a distensão, e o Brasil, mesmo que de forma indireta, pôde paulatinamente voltar ao seu período democrático, com a eleição de Tancredo.
Bem, amanhã é 1º de abril, dia de prantear, chorar e ir peregrinar ao nosso Muro das Lamentações ou nosso Muro da Democracia, versão carioca do Dazibao chinês: a Cinelândia, palanque permanente das nossas indignações, de nossos gritos libertários. Cenário das passeatas que gritaram e gritam ao Brasil nossas ansiedades e o que nos vai na alma cidadã.
Será lá, na Cinelândia de sempre, às 15 horas, o encontro daqueles que irão prantear e lamentar essa triste data, esse terrível acontecimento que enegreceu os céus brasileiros por 20 anos, com medos, silêncios, acusações, desconfianças, dor.
Não sei quem está convocando, mas ouvi o chamado e, amanhã, estarei lá. Resolvi que vou de luto. Preto fechado. Estarei velando meu irmão morto, aquele cujo corpo não vi nem tive nas mãos. Não pude velar nem enterrar. E, acredito, muitas outras famílias, muitos outros parentes de muitos outros desaparecidos e mortos farão assim. Espero que, como eu, tenham a mesma inspiração. A mesma ideia de comparecerem enlutados.
Já lá se vão 49 anos. Estamos às vésperas de lembrar, em 2014, o cinquentenário deste banho de maldade que afogou o Brasil e do qual até hoje não emergimos. Continuamos submersos nos silêncios, no mistério, na impunidade, como se todos ainda temessem esbarrar com um coturno na primeira esquina, receassem ter que bater uma continência e chocar calcanhares de sapatos obedientes na próxima virada de corredor.
Medo de que este que vivemos não passe de um sonho passageiro de liberdade, e que, de repente, despertaremos todos para um pesadelo perpétuo da tirania. Como um carma, uma predestinação terceiromundista.
Os depoimentos impressionantes dos que sobreviveram à ditadura militar brasileira estão aí. São monstruosidades sobre monstruosidades. Nos porões dos quartéis praticavam-se sessões de tortura inomináveis, crueldades que iam além de qualquer tara humana. Há vasta literatura documental sobre isso. Inclusive livros de autoria dos próprios torturadores, como o recente Memórias de uma guerra suja, de Claudio Guerra.
Dizem que a tortura é um crime imprescritível. Mas no Brasil os torturadores permanecem impunes e arrogantes. Encaram suas vítimas assim como os bandidos de hoje encaram as deles, nas ruas, ao deixarem as prisões horas ou dias depois de cometerem seus crimes.
A impunidade de ontem gerou a semi-impunidade de hoje. Impunidade no DNA. Não há mudança de Código Penal que vá dar jeito em mau exemplo. O bom exemplo é a regra número 1 da vida em tudo, desde a criação de nossos filhos.
O fato de que se continue torturando nas delegacias e prisões brasileiras tem relação direta com a falta de memória da ditadura.
Amanhã eu vestirei luto fechado. Assim como fazia minha mãe, Zuzu Angel, há 40 anos passados. E o Brasil, que em tantas coisas mudou, na impunidade continua o mesmo…
Hilde,não irei à Cinelandia,porque estou de cama,com virose,quem sabe até ,”o virus do1*de Abril…mas tem minha solidariedade,pois colocarei uma camisola negra como os dias vividos por tantos brasileiros que ousaram pensar e exprimir seus pensamentos!!
Onde estão? como estão?só Deus nosso Pai para confortar os que ficaram, sem saber onde o coração deles está neste momento…Solidaria..Isis
Força, HILDE !!!
Estamos juntos !!!
Beijão,
JS
Estarei ao seu lado. Não porque tive alguém querido assassinado pelo golpe. Mas porque eu fui também um pouco morto. E por solidariedade com você, homenagem à sua mãe e profundo respeito ao seu irmão.
Bela postura, Hildegard. E quanto tempo levaremos ainda para virar esta página? Como lidamos mal com isso, que inveja de nossos vizinhos sulamericanos que tiveram muito mais firmeza para passar a limpo estes anos de chumbo. Parabéns a você pela postura, mas não poderia se esperar outra coisa da filha de Zuzu e irmã do Stuart.
Análise pertinente e verdadeira. Sou uma das vitimas desse periodo, presa e torturada na minha propria casa, em Niteroi, levada em seguida para o DOI-CODI da Barão de Mesquita e barbaramente torturada de novo durante dois meses.
Exilei-me depois de solta e fui condenada à revelia “por ter idéias contrarias à democracia ocidental e cristã”!!!! (sic)
Revolto-me ao pensar que os monstros que torturaram milhares de pessoas possam estar impunes até hoje. Revolto-me cada vez que passo pela ponte Rio-Niteroi ao ver que ela presta homenagem a um general assassino cuja sombra mancha até hoje a Historia de nosso pais.
(Desculpe, meu teclado é estrangeiro e não consigo pôr todos os acentos)
Maria Elisalva Oliveira
Sequestrada na sexta-feira 2 de fevereiro de 1973 e presa no DOI-CODI até o dia 9 de abril de 1973
Hilde, estarei lá contigo. Todo meu carinho. Beijos
Querida Hildegard,
Hoje não estarei na Cinelândia, pois estou trabalhando (embarcado), mas lá estará meu coração, absolutamente enlutado. Pelo Stuart, pela Zuzu, e pelos milhares que morreram e pelos que choraram e ainda choram essas mortes, já que nem corpos tiveram para enterrar…
Querida Hidelgard,
Se estivesse no Rio, faria isso. Ficarei aqui de luto por o país que a ditadura civil-militar enterrou economicamente, moralmente e criminalmente neste 21 anos.
Um abraço,
Ivy