Confesso que achei mixuruca, para não dizer inexpressiva, a cobertura dada pela grande mídia brasileira à visita do Papa a Cuba e à realização da missa papal em praça pública em Havana. Quem viveu e cresceu, como eu e toda uma geração, escutando os ecos – potencializados pelos arautos do Ibase, vide aqui o post O Dia que Durou 21 Anos – do drama dos católicos em Cuba que não podiam professar sua religião, sabe a expressão política, religiosa e humanística destes fatos: a visita do Papa e a missa campal. Mas a imprensa brasileira nem tchum! (diferente da imprensa de outros países, pois quem tem TV a cabo acompanhou). Devem ser as nossas redações, obcecadas por juventude, que é ótimo, divino, maravilhoso, mas não se pode prescindir de experiência, informação e memória, quando se trata de fazer bom jornalismo, viu, gente? ; p
Daí que, hoje, tomo conhecimento da entrevista que a imprensa brasileira deveria ter feito, mas não fez, por ocasião da visita do Papa a Cuba. Ela foi publicada no domingo, 1º de abril, no jornal e no site argentino Miradas Al Sur, de Buenos Aires. Apresentando Frei Betto como teólogo brasileiro e “principal conselheiro de Fidel Castro para assuntos religiosos”, o veículo dirigido por Eduardo Anguita, usa como olho da matéria a frase do entrevistado em sua análise da histórica visita do Sumo Pontífice a Havana: “O Papa Bento XVI legitimou a revolução”. E prossegue: “Antes da visita do Papa acontecer e daquela missa a céu aberto, Frei Betto foi o primeiro a levar a palavra de Deus a Havana, estendendo a ponte entre o comunismo e o catolicismo”, lembrando que o pioneirismo rendeu como fruto o best seller de Betto, Fidel e a religião, publicado em 1986, um grande diálogo de ideias entre Fidel e o fundador do PT, escritor, intelectual e militante da igreja terceiro mundista…
Frei Betto diz que seu livro Fidel e a religião ajudou os cristãos a quebrarem o dogma de que a religião é o ópio dos povos, pois a religião, assim como a política, pode servir tanto para oprimir como para libertar…
Frei Betto foi à Cuba mais uma vez para a chegada de Bento XVI. Segundo sua avaliação, ao dar um tom cordial à visita, Bento XVI legitimou a revolução cubana e decepcionou aqueles que esperavam uma condenação da Santa Sé ao governo de Raul Castro ou que ele recebesse os chamados dissidentes…
Para o dominicano Betto, a Igreja Católica vive seu melhor momento de relação com o governo, pois não há restrição em Cuba à liberdade religiosa. Mais uma vez, ele observa as dificuldades por que passa a economia cubana, já não contando mais com o apoio da extinta União Soviética e devido, desde então, ao bloqueio imposto à ilha pelos Estados Unidos. Por isso o governo, ele explica, iniciou um processo de reformas sem querer adotar o modelo comunista chinês, que é o de um capitalismo de estado, enquanto o que Cuba pretende, sobretudo “é garantir a progressiva redução da desigualdade social de modo que a propriedade privada esteja submetida sempre aos direitos sociais”…
Frei Betto fala também do seu último livro, que faz alusão à tentação do poder, e lamenta que muitos dirigentes dos governos do PT, “com exceção de Lula”, tenham mudado seu projeto de país para um projeto de acumulação de poder. Denuncia que eles foram picados pela “mosca azul” e não lutam mais pelas teses originais do PT…
E, quando analisa as diferenças entre Lula e Dilma, enumera várias, mas destaca que importantes são as grandes semelhanças: “ambos têm muita sensibibilidade social e lutam por um país soberano e sem miséria”…
Voltando à minha crítica inicial, e por que a imprensa nacional “de primeiro grupo” deveria ter feito essa entrevista? Porque se trata de um brasileiro, o teólogo “principal conselheiro de Fidel Castro para assuntos religiosos”, Frei Betto. Deveria ter sido entrevistado antes, durante e depois da visita de Bento XVI a Cuba. E por todos os nossos jornais e telejornais…
Quem quiser ler na íntegra, acesse:
http://sur.infonews.com/notas/entrevista-frei-betto-teologo-brasileno