Ricardo Amaral me pergunta: “O que está escrito nessa faixa em cima da gente?”. Dou um passo atrás e leio, de trás pra diante: “A Zona Oeste contra a Injustiça”. E eu: “Sorria, Ricardo, estamos na Barra”. E lá vamos nós, pela Avenida Rio Branco, marchando e gritando “Mexeu com o Rio, mexeu com a gente”, bradando contra esse absurdo que é inverter as regras do jogo em plena partida, prejudicando a população inteira de um Estado, para meia dúzia de parlamentares demagogos ganharem 15 minutos de fama sob os holofotes nacionais, sem explicar as coisas direito, manipulando a opinião pública da Nação…
O Rio de Janeiro nunca foi apenas um Estado. Sempre foi uma mãe pródiga, com seios fartos a alimentar o Brasil inteiro. Recebendo aqui cidadãos de Norte, Sul, Leste, Oeste, Centro-Oeste. Dando-lhes ensino, emprego, oportunidades, tratamentos médicos, ascenção política e social. Generosamente, sem discriminar origem. Nunca tivemos preconceito contra nordestino ou gaúcho, matrogossense ou manauense ou nissei ou seja lá o que for, porque nós somos, deles todos, um pouco. Como diz a música do Chico, “o meu pai era paulista, meu avô, pernambucano, o meu bisavô, mineiro, meu tataravô, baiano“. O Rio é exatamente isso: um sincretismo do país inteiro. Não temos bairrismo nem fisiologismo. Somos o Rio de braços abertos a todos, desde o Cristo Redentor plantado no alto do morro. Não somos miúdos em nossos afetos, não somos pequenos em nossa hospitalidade, nem mesquinhos, como esses parlamentares que agora querem enganar nossos concidadãos fazendo com que eles pensem que nos aproveitamos dos demais…
Pois saibam, queridos brasileiros, que estamos apenas recebendo uma compensação pelo absurdo, o horror, a monstruosidade que foi feita conosco, à época da Constituinte. Maldade urdida na cabeça de um parlamentar que tem nome, endereço e procedência conhecidos (o tucano José Serra), fazendo com que nosso bem maior, o combustível (petróleo), passasse a ser o único produto entre todos os demais a ter seu ICMS cobrado não na fonte produtora mas no local de consumo, tirando de nós a grande possibilidade de uma boa arrecadação e dando a São Paulo, local de maior consumo no país, uma montanha de dinheiro…
Os royalties, então, passaram a ser uma compensação, um prêmio de consolação, um tiquinho de dinheiro perto do tanto que nós perdemos com essa indignidade cometida. Mas ninguém fala sobre isso. O tal deputado do Piauí não fala. E tantos piauienses vivem no Rio, estudam, trabalham, prosperam aqui, tão bem acolhidos, pois é… O que este senhor está fazendo é dividindo o Brasil e os brasileiros, gerando animosidades…
O governador ontem falou: “O Rio de Janeiro nunca questionou o dinheiro que a Sudene injeta no Nordeste”. E se questionasse? E se questionasse o fato de o ensino público e a saúde pública em Brasília serem totalmente custeados pelo Governo Federal? E se assim por diante? Seria uma guerra entre os Estados? Estão mexendo em formigueiro. Coisa muito grave, precedente muito sério. Uma “secessão” desnecessária…
Do Palácio Laranjeiras, saíram quatro ônibus recheados com grandes nomes de nossos esportes, nossas artes, da moda, da imprensa, das entidades classistas, sindicais, lideranças várias, junto com o governador Sérgio Cabral, seu secretariado. Todos vestindo a camiseta “Contra a Injustiça” e com uma pulseirinha azul no punho. Curiosa a coincidência: governador, o vice, o Paes e o Crivella, todos usando camisa azul clara, de punhos dobrados, sob a camiseta. Uniforme de combate…
Os passageiros dos quatro ônibus da frota que partiu do Palácio das Laranjeiras desembarcaram na Rua do Rosário. Deles, desceram a simpática presidente do Flamengo, Patrícia Amorim, de calça vermelha e camiseta preta, a amável Maria Paula, do Casseta e Planeta, a protegidíssima Carla Camuratti, com um guarda-costas na frente e outro atrás (este, indentifiquei como sendo o Perfeito Fortuna, cada vez mais afortunado), e todos foram entrando e se misturando àquele verdadeiro mar de gente da Avenida Rio Branco, através de uma passagem protegida por seguranças…
Cotoveladas e joelhadas à parte, foi uma caminhada romântica, com um gostinho de 1968, dando a impressão, aos que dela participavam, de que sempre há e haverá causas justas pelas quais se lutar e se manifestar… Eis que vejo ali, discretinho, caminhando num canto, acompanhando de uma filha, o Martinho da Vila. Abraços, abraços, e ele logo encontra outro amigo estimado, o Haroldo Costa, que cumpre, numa boa, todo aquele estirão, mesmo com a atual dificuldade para caminhar – um verdadeiro carioca!… Kitty e Julio Lopes, Fernando Avelino, Sergio Dias… Encontro na muvuca, perto do caminhão que leva a imprensa, o Parreira. Ele me vê: “Oi, Hilde, você está a mesma coisa!”. Aquela simpatia de sempre… O Marcos Frota cercado de fãs por todos os lados. O atleta Diego Hypolito… Uma socialite que esqueci o nome… A Lucinha Araújo, que não dispensa jamais uma boa causa… A secretária de Cultura, Adriana Rattes, cercada por vários artistas, inclusive a coreógrafa Debora Colker… O Paulão, do recém-criado partido Pátria Livre, esquerda ultra autêntica… O Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, caminhando com todo fôlego… Uma bela, saudável e necessária manifestação de cidadania, patriotismo e sentimento de Justiça… Que venham outras!…
Já na Câmara de Vereadores, os caminhantes foram brindados com sanduíches, água e refrigerantes. Os artistas, que participaram do show gratuitamente, eram encaminhados para o palco. Os políticos politicavam no andar de cima com Cabral, que depois desceu com todos eles para uma entrevista coletiva, sala superlotada, e juro que nunca vi tantos jornalistas estrangeiros numa coletiva local de um governador do Rio. Ao meu lado, um português. Atrás, ouvia falarem em francês. Mais adiante, conversavam em inglês. Antes de a entrevista começar, houve uma divertida dança das cadeiras regida pela assessora de imprensa Valéria Blanc (agora com os cabelos platinum blonde, à la Ana Maria Braga). Primeiro, ela mandou acrescentar duas cadeiras às quatro da mesa da conferência. Depois, mandou retirar as duas. Em seguida, fez colocarem mais quatro. Para logo chegar a chefe do cerimonial, Adriana Novis, e retirar todas as cadeiras. Impasse… Em minutos, entrou Cabral seguido de Paes, Pezão, o senador Lindbergh, o deputado Paulo Mello, o líder do governo na Alerj, o presidente da Câmara de Vereadores. E a entrevista foi dada de pé mesmo, apenas por Cabral, que falou rápido, com ímpeto, determinação e paixão. Quando a repórter de O Globo lembrou o vazamento de óleo pela Chevron, na costa do Rio, naquele dia mesmo, Lindbergh fez aparte – “Boa pergunta”. E o governador: “Essa infelicidade de hoje ilustra bem o motivo de nossa luta. Não será nas costas do Nordeste nem do Sul que vai parar esse óleo. Será provavelmente na costa do Rio de Janeiro. É mais do que justo que recebamos os royalties”…
A Polícia Militar calculou entre 150 e 200 mil o número de pessoas que marcharam contra a indignidade que se tenta praticar massacrando o Estado do Rio de Janeiro
Fotos de Carlos Magno e Marino Azevedo…