SENHORES CONGRESSISTAS, POR FAVOR, UM MINUTO DE SUA LEITURA, ANTES DO VOTO EM FAVOR DO MERCADO EDITORIAL

Chegando os minutos finais, na contagem regressiva de mais uma provável derrota, em mais uma das lutas minhas. Tantas lutas…

Quando rezava e implorava a Deus para que meu irmão não tivesse sido agarrado pelos carrascos do Brasil, pois seria morte certa, e que fosse encontrado vivo por nós, logo tive a primeira e definitiva decepção de minha vida.

Depois, alternei as incontáveis delícias dos sucessos de minha carreira com inúmeras perdas pessoais, tragédias, câncer, insídias profissionais, decepções.

E assim seguiu minha vida, como se, num balé grotesco, a Realidade fosse fazendo, diante de mim, um strip-tease contorcionista, ora revelando encantos, ora exibindo feiuras.

Num girar, o desnudar de uma perna lisa, onde a beleza passeia sobre caminho sólido e liso; numa outra volta, a pele cheia de obstáculos, contrações, feridas e perigos.
A cada peça retirada pela stripper, um susto, um medo, um horror, alternando-se com  gratas surpresas, momentos bons, satisfações, carícias, alegrias súbitas.

Balé, ora macabro, ora embriagado por aromas excitantes e perturbadores, suaves e doces.

Não, não posso me queixar de vida insossa. É densa, intensa, arrebatada, temperada com pimenta bem curtida. Ardendo pro bem e pro mal.

Assim, mal deponho as armas, vencida pela realização do maléfico Leilão do Campo de Libra, do qual havemos de no futuro nos arrepender com amargura, novamente eu as empunho, premida pelo noticiário de que, em regime de urgência, o Congresso votará uma lei de biografias não autorizadas, um libera geral.

Ao longo de todos esses anos, desde 1976, com a morte de minha mãe, tenho exercido a vigilância da memória dos Angel. Não fosse isto, a história contada em peças, balés, escolas de samba, especiais de TV, roteiros de filmes – realizados ou não, teria sido bem diferente da História real.

Na visão desses artistas biógrafos, que não pesquisaram, apenas deduziram e/ou ouviram falar, Zuzu Angel seria uma burguesa de classe média alta, de extrema direita, que convivia intimamente com militares e, ao ter o filho morto pela ditadura, num passe de mágica, transformou-se. Virou, da noite pro dia, mulher combativa de esquerda e deu a vida por isso.

Pasmem, mas era isso que me apresentavam! Como se a vida de um ser Humano fosse a vida de um personagem de Novela de TV, que um dia é a vilã da novela e, no capítulo seguinte, a mocinha!

E como precisei suar a camisa para explicar a esses biógrafos (pessoas talentosas, todas bem intencionadas e com excelentes projetos, diga-se de passagem) nossas vidas de luta e trabalho! Para contar da Zuzu de pensamento liberal desde criancinha, mulher de posições e garra, feminista empedernida, um passo à frente dos demais. De como ela se empenhou na formação dos três filhos, dos livros que nos dava pra lermos, das discussões com Stuart à mesa sobre literatura, gostava de Graham Greene, Allan Poe, era Juscelinista empedernida, foi Jango, votou em Lott.

Certa noite, quando chegamos em casa, mamãe colocou o dedo sobre a boca, pediu que todos falássemos baixinho e, com grande preocupação, anunciou: “Eles deram o golpe”. Assim, juntos, ficamos ao pé do noticiário da rádio vitrola. Na minha casa, nunca se disse “Revolução”..

Não fosse meu esforço, minha disposição de discutir, minha teimosia, minhas lágrimas, exaltação, bateção de pé, veríamos uma Zuzu da conservadora Tradicional Família Mineira, tal e qual imaginou um desses autores, que, no calor do debate, insistindo em seu texto, com a mesma e autêntica paixão com que eu insistia em minhas verdades, chegou a me dizer: “Mas meu pai era assim!”. E eu: “Mas minha mãe não era!”. O resultado foi um belíssimo trabalho, legítimo e denso, e nos tornamos grandes amigos.

Zuzu usava calça comprida, quando nenhuma mulher vestia, defendia os filhos em todas as questões levantadas pela diretora da escola (até prova em contrário), foi a primeira a jantar sozinha com uma amiga no chiquérrimo restaurante Concorde de Ipanema, onde mulher, já em meados nos anos 70, só acompanhada de homem (“Absurdo! Terra do atraso”, ela se impôs).

Defendeu o direito de a mulher ser reconhecida como criadora na moda, onde essa prerrogativa era apenas masculina. Mulher só servia para pedalar máquina de costura. E ainda fez questão do título “costureira”, e não “estilista”, pois se orgulhava de saber costurar, enquanto os criadores de moda homens disso nada entendiam.  Hoje, a grande tendência da moda no mundo é costurar. Ovo de Colombo. Descobriram que os maiores criadores da História da Moda sabiam o ofício. Os demais eram meros desenhadores.

Mulher de marketing, na política sempre foi estrategista. Fez trabalho de guerrilha, subterrâneo, noturno, distribuindo filipetas, poemas, fotos, nos lugares com maior concentração de pessoas. Acompanhada da irmã Virginia Valli, disparou sua dor sob os batentes das portas de figurões: eram poesias, cartas mimeografadas, retratos do filho.

E os biógrafos me vinham, não por mal, mas por ingenuidade, querendo retratá-la como perua burguesa fútil, que se ‘metamorfoseou’ qual lagarta em borboleta!

Por isso, excelentíssimos senhores congressistas do meu país, não em nome da biografia dos que estão vivos e assim podem se defender, não em nome dos famosos, dos pop, das celebridades; falo pela voz dos mortos, da nossa memória, da História do Brasil. Não podemos deixar correr com frouxidão e de modo inconsequente um Direito Constitucional, o Artigo 5 da Constituição Federal, parágrafo X: ” – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Hoje, tenho mais 10 anos do que minha mãe ao morrer, aos 54. Espero ainda empreender este combate na proteção da memória dos Angel por bem algumas décadas, se Deus me der saúde para tal. Luta infrutífera, porém se a Lei estiver, não ao lado dos cidadãos, mas apenas do polpudo e opulento mercado em que se transformou a produção editorial neste país.

É neste momento que a tal da Realidade, de que falei acima, no requebrar de uma dança de 7 véus, distrai-se num rodopio de seu strip tease e me revela, como numa premonição, um abdômen cheio de pregas, pelancas e volumes… São volumes literários em vias a serem produzidos por biógrafos, que, quando não por despreparo para a missão (pois nem todos são um Ruy Castro, um Fernando de Morais, um Sérgio Cabral), muitas vezes por cobiça, terão como prioridade os lucros, e que se danem o rigor com a pesquisa e a fidelidade aos fatos!

 

 

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