Não foi por falta de aviso, não foi por falta de lei. A tragédia de Mariana se deu por falta de prevenção e de cumprimento da lei!

Mais uma vez o Brasil chora uma tragédia após o leite derramado pela inépcia, o desleixo, a imperícia, via de regra parceiros nesses dramas, que levam vidas sem conta, destroem comunidades, rasgam cicatrizes não só nas vidas e famílias, como no histórico bom conceito da engenharia nacional, na terra, na dignidade brasileira.

A vergonha, nesse caso das barreiras de Mariana, a falta de compostura, agiu por contágio. Começou pela inoperância dois gestores, que não realizaram a devida e obrigatória manutenção, alastrou-se pela indiferença por vidas humanas, ao não haver qualquer esquema de aviso às populações no entorno, seguindo-se as mentiras pregadas pelos seus serviços de divulgação à imprensa, de que teria havido alertas, e depois a falta de qualquer consideração aos moradores, isolados sem explicação, dando-se acesso à área atingida apenas aos próprios responsáveis pelo fatídico, os gestores da empresa.

Terminando por contaminar a imprensa brasileira como um todo, que deu ao caso, inicialmente, uma cobertura pífia, inexpressiva, agindo aparentemente com total indiferença. Qualquer queda de prédio numa grande capital do país ocupa mais tempo nos telejornais do que o tempo dado à queda das barreiras de Mariana nos três primeiros dias após o ocorrido.

Foi preciso haver uma grita geral nas redes sociais, no Twitter sobretudo, foi necessário a lama enlamear tudo, outras cidades, os rios, ameaçar invadir o Espírito Santo e tornar-se um gravíssimo risco ambiental nacional, ainda maior do que já era, para a imprensa se mancar.

Lí um twitter que dizia que, fosse a Petrobras a responsável, a cobertura seria maior do que a queda das Torres Gêmeas. Seria sim. Mas tratam-se de duas multinacionais. Uma delas, com sede na Austrália, onde, tivesse ocorrido lá a tragédia, já estariam todos presos e endividados até a quinta geração. Aqui, querem repassar o prejuízo para o poder público e encenam a farsa de que um tremor de 1 ponto alguma coisa seria o responsável. Ora essa, as barreiras são projetadas para resistirem, prevendo até tremores de terra. Terremotos, inclusive.

Se o dono das barragens fosse um empreiteiro e, ainda por cima, um empreiteiro brasileiro, já estaria preso, desmoralizado e também atirado na lama com todos os seus funcionários sofrendo as consequências.

São dois pesos e duas medidas?

Legislação para isso, há. Foi fruto de um empenho obstinado e árdua luta de engenheiros combativos do país, liderados por algumas instituições, como o Clube de Engenharia do Brasil, situado no Rio de Janeiro.

A lama já chegou a Resplendor, em Minas, está chegando em Colatina, a caminho do Espírito Santo. O momento é gravíssimo.

Abaixo, dois artigos, publicados no jornal O Globo e Jornal do Commércio, ilustram o que digo.

barreiras JORNAL DO COMMERCIO

Artigo publicado no Jornal do Commercio,
Quinta-feira, 5 de novembro de 2009 – pág. A-15

É com frequência cada vez maior que o Brasil tem assistido a desastres causados pelo rompimento de barragens, seja por acumulação e retenção de água, seja por resíduos. Há poucos dias mesmo, os telejornais mostraram os estragos causados pelo rompimento de uma barragem construída para a regulação do nível de um rio na periferia de São Paulo. Chuvas realmente intensas e excepcionais, mas não totalmente improváveis ou imprevistas, estão castigando duramente várias regiões do país este ano.

Esses acidentes poderiam ser evitados com uma correta manutenção. Barragens não são estruturas convencionais, como a maioria das obras civis. Exigem atenção permanente do proprietário, em função das mudanças contínuas nas solicitações a que são submetidas durante sua vida útil. Não é assunto para leigos. Apenas engenheiros especializados são capazes de avaliar as reações e o comportamento estrutural delas, propor medidas preventivas e corretivas, além de acompanhar se tudo está compatível com o projeto.

Barragens são sempre vitimadas pelos excessos de precipitação, que podem causar aumentos bruscos de cargas por elevação não prevista do nível da água ou pelo encharcamento dos resíduos contidos. Muitas têm sistemas de monitoramento que precisam ser lidos continuamente, seguindo um manual. Não podem, portanto, ficar abandonadas à própria sorte, sem que se obedeçam às medidas de segurança destinadas a impedir sua degradação ao longo do tempo.

Os políticos gostam de fazer novas obras ou empreendimentos que lhes permitam aparecer na mídia e obter dividendos eleitorais. Gastos com manutenção quase não aparecem, mas são vitais para evitar desastres ambientais, materiais e, muitas vezes, até mortes. As empresas projetam e constroem as barragens dentro de normas técnicas, mas o poder público não exige do proprietário, ou gestor, qualquer sistemática de manutenção.

Pela primeira vez se pretende garantir a obrigatoriedade, em âmbito nacional, de se cuidar da segurança das barragens. Em setembro último, o deputado Leonardo Monteiro (PT-MG) apresentou projeto de lei (PLC nº 168/09) que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) e cria o Sistema Nacional de Informações de Segurança de Barragens (SNISB). O projeto está em análise na Comissão de Meio Ambiente do Senado.

No dia 21 de outubro, técnicos da Agência Nacional de Águas (ANA) estiveram reunidos com o relator do projeto, senador Gilberto Goellner (DEM/MT), propondo novos ajustes à PLC nº168/09 no sentido de aperfeiçoar ainda mais a agilidade e a eficácia dos controles, ampliar o foco na gestão de riscos, promover maior integração com a Política Nacional de Recursos Hídricos e estender o atendimento ao estado da arte, às mais modernas técnicas de engenharia, como é feito internacionalmente. É extremamente louvável a preocupação da ANA, entretanto, diversas rodadas de discussão com a participação da Agência já aconteceram na Câmara e esses pontos, ora levantados, demandarão novas modificações no projeto de lei e no envio do mesmo ao plenário do Senado para, finalmente, poder voltar à Câmara.

O senador Goellner anunciou que promoverá “novas reuniões” para avaliar o impacto das sugestões apresentadas e debatê-las com um grupo de trabalho informal formado por representantes da ANA, do sistema Crea/Confea, dos Ministérios da Cidade, da Integração Nacional e de Minas e Energia.

O PLC nº 168/09, como está, talvez não seja perfeito, porém, é melhor do que a situação de agora, sem regulamentação. Este ano, o país já assistiu a uma catástrofe de grandes proporções com o rompimento da barragem de Algodões, no Piauí. Não faz sentido esperar que um novo desastre aconteça para que o projeto seja aprovado em regime de urgência para entrar em vigor, como uma resposta a inevitáveis perdas humanas e materiais que advirão, mais dia menos dia.

A sabedoria popular prega que o ótimo é inimigo do bom, mas em nosso país as iniciativas em favor da proteção prévia da sociedade sempre esbarram em preciosismos exagerados que emperram os processos. Assim, ficam os projetos de lei adormecidos e só são despertados a toque de caixa quando eventos de trágicas proporções impõem uma solução política de emergência.

A engenharia nacional aguarda, com grande expectativa, um desfecho satisfatório e ágil para a questão, de modo que a lei possa ser finalmente promulgada. É o que a sociedade espera com ansiedade e, se possível, antes da calamidade.

Francis Bogossian, presidente do Clube de Engenharia

Falta a responsabilidade administrativa – O GLOBO – 24/05/2013

 

Francis Bogossian,

A qualidade das obras públicas no Rio de Janeiro vem sendo posta em xeque na imprensa. Todos se perguntam como tantos desastres podem acontecer quando a engenharia brasileira é reconhecida internacionalmente pelo alto padrão técnico. Lógico que podem ocorrer erros de concepção, projeto, planejamento ou gestão, mas a principal razão para os recorrentes eventos que temos presenciado é a falta de manutenção das construções.

Obras de engenharia precisam de manutenção permanente não apenas para aumentar e garantir a vida útil da construção, mas, principalmente, por motivos de segurança. O gasto com manutenção de uma estrutura de concreto, por exemplo, é 25 vezes menor do que o custo de renovar a estrutura deteriorada, isto sem contar os possíveis riscos de acidentes.

Esta é uma verdade incontestável, mas dificilmente obedecida, principalmente no setor público!  Não há no Brasil uma consciência da importância dos gastos com manutenção, que deveriam ser permanentes e não esporádicos.

A boa prática construtiva não elimina a necessidade da conservação permanente das construções. Os administradores públicos estão sempre muito mais preocupados em realizar do que em manter o que foi construído por seus antecessores. É natural que queiram mostrar que executaram mais dos que os outros. Por isto mesmo, sem exigência legal e sem que se estabeleçam responsabilidades, a manutenção e conservação de obras de engenharia estarão sempre relegadas ao esquecimento.

Só após grandes acidentes é que se estabelecem regras para que fatos semelhantes não se repitam. Vários desastres provocados pelo rompimento de barragens levaram à criação da Lei Federal nº 12.334/2010,  que estabelece uma política nacional de segurança de barragens, com exigência de inspeções periódicas, atualização dos dados técnicos e estabelecendo responsabilidades dos autores envolvidos.

O desabamento em 2012 do Edifício Liberdade, na Av. Treze de Maio, no Centro do Rio de Janeiro, levou o governador a sancionar a Lei 6.400, de 5 de março de 2013, que determina a autovistoria em prédios públicos e privados. No âmbito do Município do Rio, o prefeito Eduardo Paes aprovou a Lei Complementar 126, de 26 de março de 2013,  estabelecendo obrigatoriedade de vistoria técnica periódica para as edificações com mais de cinco anos e a exigência de laudo técnico dos imóveis.

No segmento de pontes rodoviárias, todos os procedimentos relacionados no manual de inspeção constam da Norma DNIT 010/2004-PRO, mas não há nenhuma obrigatoriedade do administrador público de executar estes serviços com regularidade.

A prevenção de deslizamentos em encostas é outro assunto que não deslancha. Há uma grande comoção quando os desastres acontecem, mas o assunto cai no esquecimento. Não há trabalho preventivo. Prefeitos fecham os olhos para crimes ambientais, como ocupação irregular das encostas e das margens de rios, e ainda para o despejo irregular dos resíduos sólidos.

O Brasil precisa de uma lei de Responsabilidade Administrativa, com regras claras, para nos anteciparmos aos desastres previsíveis.

Francis Bogossian, presidente do Clube de Engenharia e da AEERJ-Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro.

9 ideias sobre “Não foi por falta de aviso, não foi por falta de lei. A tragédia de Mariana se deu por falta de prevenção e de cumprimento da lei!

  1. Sou engenheiro e funcionário de um órgão do Governo Federal e sei a dificuldade de se obter verbas para manutenção das obras.
    Mas no presente caso, estamos falando de uma multinacional cuja propaganda é focada no cuidado do meio ambiente. O crime aqui é maior que o ocorrido nos desvios da Petrobrás (cidades sem água, desabrigados, um desastre ambiental sem precedentes e perda de vidas). Ficam aqui duas perguntas sem respostas:
    Por que os culpados não estão presos?
    Por que os bens das empresas não foram confiscados?

  2. Nao sou contra multinacionais.Em paises CIVILIZADOS, elas respondem criminalmente pelos seus nefastos atos.Mas na Banania, vai acabar em pizza.

  3. Hildegard:
    Quero levantar aspectos da questão dos sismos que poderiam ter rompido as barragens. O primeiro tem a ver com as próprias barragens. O sobrepeso que é colocado nos locais onde esses “reservatórios ” de lama se situam, pode causar o chamado sismo induzido. Muitas barragens de água apresentam esse problema. Ou seja, a própria acumulação de rejeitos pode induzir acomodações no subsolo e provocar esses sismos.
    A segunda questão que eu gostaria de colocar é a subserviência das universidades ao status quo, fazendo um papel ridículo de tentar encobrir os responsáveis. Face ao que eu coloquei no parágrafo anterior ( e eu sou só uma engenheira da área ambiental, com conhecimento limitado do assunto), fico impressionada com a rapidez com que professores, com um conhecimento muito maior desse assunto, se prestaram ao papel de irem à televisão dizer que houve sismos. Faltou a essas pessoas um mínimo de precaução para não serem desmoralizados logo em seguida. Ficou muito feio para eles e por tabela para as universidades.

  4. Quase sempre é falado ” tragédia anunciada”, mas ,na verdade ninguém tinha anunciado. Não neste caso: Francis Bogossian , presidente da AEERJ e do CLUBE de ENGENHARIA , há muito tempo e reiteradas vezes alertou para esta questão, mas os tecnocratas que só desejam cargos e poder se contentam somente com o CARGO e o PODER. E agora???

  5. Mais uma vez a engenharia cumpriu seu papel técnico-preventivo. Infelizmente, a irresponsabilidade e a ganância, que significam falta de ética no sentido prático, total desligamento ao que há de mais essencial à cidadania prevaleceram. Ao Francis, meus cumprimentos pelas iniciativas e os votos de que prossiga nessa caminhada de dedicação à coisa certa.

  6. “O Brasil precisa de uma lei de Responsabilidade Administrativa, com regras claras, para nos anteciparmos aos desastres previsíveis.
    Francis Bogossian, presidente do Clube de Engenharia e da AEERJ-Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro.”
    Francis está certo!!! Será possível que a tragédia aconteça e atinja familiares de autoridades competentes para que políticas de prevenção sejam adotadas? Pobre povo carente que com tanto suor consegue algo nessa vida!!!

  7. Oportuno recordar e frisar para os burocratas incompetentes e arrogantes os dois artigos do Francis alertando as autoridades para as constantes tragédias de encostas, barragens, etc. As quais, lamentavelmente, mais uma vez ocorreram.

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