Mensagem de Natal: O bom exemplo de Clara, breve raio de luz que deixou um rastro de bondade em sua passagem por esta vida

Emails chegam das assessorias sugerindo pautas de Natal com seus clientes. Sem desmerecer as sugestões, prefiro estrear a temporada de Natal com o exemplo da partilha, do amar o próximo como a si mesmo, enfim, com o autêntico ‘espírito natalino’.

Uma legítima pauta de Natal é o prêmio que o escritório carioca-paulistano Siqueira Castro Advogados acaba de conquistar, eleito o Melhor Escritório de Advocacia da América Latina em 2015, devido às suas práticas de Responsabilidade Social e Advocacia Pro Bono.

Um reconhecimento internacional notável, imensa honra para um escritório brasileiro, já que é título conferido pela Chambers, mais importante certificadora mundial de escritórios de advocacia.

Advocacia Pro Bono é novidade no Brasil. Sempre houve aquele escritório ou outro, que, com generosidade, defendeu causas meritórias “de graça”. Mas apenas muito recentemente a prática da Advocacia Pro Bono foi finalmente regulamentada e legalizada pela OAB.

Até então, o órgão de classe considerava infração disciplinar passível de penalidades um advogado prestar serviços jurídicos, sem cobrar honorários, a instituições de caridade e pessoas carentes.

Esta limitação absurda terminou em agosto passado, e quis o destino que, depois de anos de luta no Conselho Federal, coubesse justamente ao autor da proposta, o advogado Carlos Roberto de Siqueira Castro, ser seu relator junto ao Conselho Federal da OAB, obtendo sua aprovação por unanimidade, com o reconhecimento da legalidade da prática da Advocacia Pro Bono no Brasil e sua inserção no Código de Ética da OAB.

Essa luta e essa conquista tiveram como mentora a filha de Carlos Roberto, a advogada Maria Clara Siqueira Castro, que, à exemplo daquela Clara de Assis que lhe inspirou o nome, muito cedo viu de perto o sofrimento.

Vítima de uma diabetes aos 12 anos, Maria Clara, em sua peregrinação pelas clínicas, acompanhou o martírio de outras jovens, poucas com os mesmos recursos financeiros e o mesmo apoio de uma família amorosa, como ela.

O sofrimento alheio despertou-lhe, logo de início, o sentido da caridade e do respeito para com os necessitados. Sua primeira iniciativa foi criar uma ONG de apoio às jovens bulímicas. Em seguida, estendeu seus gestos fraternos a múltiplas necessidades.

Viveu na prática essa vocação do amor ao próximo, até seis meses atrás, quando seu corpo fragilizado por tantos embates não suportou mais os ataques sucessivos e violentos da doença.

Maria Clara partiu, deixando plantada a semente de sua bondade, que agora frutifica em belas ações e num prêmio de tal expressão internacional, o Chambers.

Deixo para vocês o relato comovente da carta póstuma escrita pelo advogado Carlos Fernando para sua irmã, Maria Clara, ao chegar em casa emocionado, logo após participar da solenidade do recebimento do prêmio.

“Querida irmã Maria Clara,

Confesso a você que esta premiação gerou em mim uma série de emoções fortes e conflitantes. Fico feliz pelo reconhecimento, embora eu e você saibamos que nossas atividades filantrópicas representam apenas algumas gotas de orvalho em um imenso deserto de dor, miséria e injustiça. Entretanto, acho importante que uma publicação tão relevante quanto a Chambers esteja dando importância e divulgando a questão da Advocacia Pro Bono. Isso incentiva outros advogados, escritórios de advocacia e departamentos jurídicos a iniciar ou intensificar suas respectivas práticas. Toda e qualquer ajuda é mais do que bem vinda: é necessária e essencial.

Por outro lado, digo a você que este prêmio não me envaidece ou emociona. Se vivêssemos em um mundo diferente, não haveria necessidade de existir prêmios por se “praticar o bem” ou fazer aquilo que é nossa obrigação, como advogados, cidadãos e seres humanos. Infelizmente, este tipo de “reconhecimento” ainda é importante.

Desnecessário dizer o quanto me lembrei de você quando soube da premiação. Foi você quem incutiu em mim e em nossa comunidade a “necessidade quase física” de dedicar parte de nosso tempo aos mais carentes. Você marcou de forma permanente nossas almas com o DNA de suas crenças e, principalmente, do seu exemplo de vida.

Me lembro bem quando você adoeceu. Foi em 1991. Primeiro veio a diabetes tipo I, depois a bulimia e a neuropatia. Por fim, veio a esclerose múltipla. Papai e mamãe ficaram desesperados. Embora já fossem pessoas religiosas, se apegaram a Deus de forma definitiva e procuraram proporcionar a você o melhor tratamento que estivesse disponível. Confesso que não me lembro exatamente quando eles começaram a praticar a caridade de forma mais intensa, mas certamente foi por sua causa. Todo pai pede, de alguma forma, que Deus poupe a vida de seu filho.

Os direitos autorais dos livros do papai começaram a ser doados para instituições de caridade. Em pouco tempo faltaram livros. No escritório, começamos a apoiar financeiramente diversas obras de filantropia, tanto com recursos financeiros para projetos específicos, como também com a prestação de serviços jurídicos gratuitos — a famosa Advocacia Pro Bono. Logo percebemos que quanto mais nos envolvíamos, mais nos sentíamos impotentes. Havia sempre novas obras, novos projetos, tanto por fazer e sempre fomos tão poucos.

Você decidiu fazer direito e ingressou no nosso escritório como estagiária. Desde seu primeiro dia, percebi que seu interesse não era o direito em si. Sua paixão era o desenvolvimento dos nossos projetos sociais. Sua dedicação começou lentamente a “contaminar” os demais. Sempre me impressionou o seu desejo de conhecer pessoalmente cada uma das obras assistidas, onde quer que fosse, e em participar ativamente das diversas atividades que progressivamente passamos a desenvolver com as diversas instituições atendidas.

Por sua iniciativa, decidimos nos organizar melhor e concentrar (até para o nosso controle interno) as atividades da Siqueira Castro em um Comitê de Advocacia Pro Bono e de Responsabilidade Social. Já estávamos no final dos anos 90. Por óbvias razões, você foi a primeira presidente do Comitê e assim permaneceu até quando a sua saúde permitiu. Até o fim você participou deste projeto. Sempre carinhosa e atenta aos mínimos detalhes.

Uma vez você me disse que viver era “a arte do  exercício diário da impotência perante a vida” e o que diferenciava as pessoas era a forma de exercer essa “impotência”. Se a minha memória não falha, você dizia que a “impotência” poderia ser “irresignada e combativa” ou “passiva”.

Você vivenciou e nos mostrou de forma verdadeira a primeira das duas opções. Sempre lutou, nunca se conformou com a situação ao seu redor e nunca foi indiferente com a dor do próximo. Ao mesmo tempo, nunca reclamou, praguejou ou culpou quem quer que fosse pelas suas limitações crescentes.

Confesso que era até difícil perceber o quão debilitada você já estava no final, tamanha a sua energia e entusiasmo com aquilo que foi a sua missão na sua breve vida: o crescimento do nosso Comitê Pro Bono e de Responsabilidade Social e incutir nas pessoas ao seu redor o seu entusiasmo por esta causa.

O fato é que você partiu. Não temos mais a sua presença entre nós. O mundo precisa de tantos milhares de “Marias Claras” e a única que conheci nos deixou cedo demais.

Também queria que você soubesse que as coisas não estão paradas por aqui. Muito pelo contrário, nesses últimos meses, muita coisa boa aconteceu:

Com esse prêmio que ganhamos, o pessoal do Marketing está me pressionando para soltarmos um comunicado institucional. Já pedi que eles próprios se ocupem disso. Frisei apenas que o mais importante era agradecer àqueles que têm estado conosco ao longo de toda essa caminhada e à Chambers, por divulgar a prática da Advocacia Pro Bono. Somos 850 mil advogados em todo o país. Se cada um de nós fizer um pouco que seja, isso já será simplesmente extraordinário

Espero que esta cartinha leve até você não somente o meu coração, mas também este prêmio que agora recebemos em seu nome. Ele é seu.

No escritório, nossos sócios quiseram prestar uma homenagem a você e estão criando o Instituto Maria Clara, que passará a ser o responsável pelas nossas práticas de advocacia Pro Bono e de Responsabilidade Social.

Acho que é só isso. Estou cansado e preciso dormir um pouco. Talvez esta noite eu consiga. Amanhã cedo a luta por aqui recomeça.

Me despeço de você com aquela música da Legião Urbana que escutávamos tanto em Petrópolis e da qual você muito gostava: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã. Porque se você parar pra pensar, na verdade não há”.

Um beijo carinhoso do seu pra sempre irmão,

Carlos Fernando Siqueira Castro”

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Nesses seis meses após a morte de Maria Clara, muitos progressos foram feitos, muitas conquistas se efetivaram. Como se lá do Céu ela estivesse abençoando o trabalho dos antigos companheiros do escritório. Das três novas instituições que passaram a ser atendidas pelo Comitê Pro Bono, elas agora são 78 em 15 estados brasileiros. Além disso, como contei acima, a prática da Advocacia Pro Bono foi regulamentada e legalizada pela OAB.

Clara sempre ironizou a limitação imposta pelo órgão de classe e nunca permitiu que isso fosse um empecilho para que continuassem a sua prática Pro Bono, mesmo “passíveis de punição”. Ela dizia: “Se um médico decide ajudar os mais carentes e os atende, isso não é crime. Se um professor resolve ensinar de graça a quem não pode pagar, isso não é crime. Então, por que “raios” um advogado que presta serviços jurídicos sem cobrar de instituições de caridade e de carentes comete infração disciplinar e pode ser penalizado pela OAB?”. Não é mais, Clara, você conseguiu!

A regulamentação e a legalização do Pro Bono pela OAB são mais legados, entre tantos outros, da combativa Clarinha ao povo de seu país.

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A saudosa e linda Maria Clara, anjo de luz que nos deixou este ano, e sua mãe, Silvia Siqueira Castro

14 ideias sobre “Mensagem de Natal: O bom exemplo de Clara, breve raio de luz que deixou um rastro de bondade em sua passagem por esta vida

  1. Um lindo anjo que salvou a minha vida e várias outras, tenho certeza que Deus está imensamente feliz em te lá ao lado dele, descanse em paz nossa estrelinha.

  2. Enquanto lia o texto tentava imaginar como seria o rosto de Maria Clara, imagina uma mulher bonita, mas na verdade ela era linda! Belo texto.

  3. Tive o prazer de conhecer a Clarinha na ong Astral Br e ver que trabalho lindo que ela realizou ! Ela foi um anjo na vida de várias meninas e salvou muitas meninas!
    Um exemplo de ser humano! Saudades!

  4. Hilde,

    Você, como sempre, imbatível. Minha amiga trabalha no escritório do professor Siqueira Castro e eles fizeram um trabalho brilhante este ano ao advogar para os menos favorecidos. Certamente, a vida de Clara não foi em vão e, assim como seu nome, deixou claro que o caminho a seguir é o da caridade e do empenho em usar seu conhecimento para algo maior e melhor.

    Parabéns, Hilde! Você, com suas palavras tão bem usadas e sábias, só inspira!

  5. lindo .este depoimento.sr a hilde que conhece algumescritório em ssa.BA que trabalho com o projeto pro Bono???? desde já agradeço.

  6. Tocante a vida da jovem Maria Clara. Bela em seu interior e exterior! Imagino a dor de seus familiares!

  7. Emocionante e este é o verdadeiro Natal e Pascoa. Amor cristão na prática. Linda foto dela e da mae. Parabéns e obrigada por este texto presente. Um advogado que defendeu a causa do bebê Sofia conseguindo pra ela que o governo pagasse 2 milhões num transplante nos EUA acredito que seja pro bono pois ele fez um trabalho lindo e de graça. A bebe pegou infecção no pulmão e faleceu mas a cirurgia de 7 órgãos foi feita com.sucesso. Foi feito tudo humanamente possível. Deus não olhará só os vitoriosos mas os indesistiveis e, com certeza, pessoas como Maria Clara são exemplos disto. Ela fez a parte dela. Façamos a nossa. Deus abençoe esta linda família.

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