OS PERIGOS QUE RONDAM UMA CAPA PRETA…

A capa do ministro Joaquim Barbosa rende capa, notícia, reportagem. Rende comparação com a mais famosa das capas, a do Batman.

Há capas e capas. Mas elas sempre despertam emoções muito fortes, quando são capas pretas. Capas pretas vêm carregadas de forte simbologia. Outro dia falei da capa preta de chumbo, que Dante condenou o Invejoso a portar eternamente em seu círculo de fogo. Há as capas pretas dos românticos amantes de Veneza, que navegavam furtivos nas gôndolas pelos canais. As capas medievais, negras, inspiravam medo.

Eu tive uma capa preta longa, de noite, capa capotante. Feita de jersey de lã, pelas mãos de fada de uma grande costureira espanhola, dona Angela Maris, ali da Rua Figueiredo Magalhães. Não tinha avesso nem direito, era um masterpiece da alta costura. Frequentei muito com essa capa. Festas em Nova York, Paris, no palácio do Itamaraty, em Brasília, Mas me roubaram essa capa. Tiraram de dentro do meu armário! Lamentei por mim, pela capa e pela dona Angela Maris. Era uma capa digna do Museu da Moda, representaria muito bem a artesania primorosa das costureiras espanholas no Brasil…

Mas vou mais distante no tempo… Vou até a capa do Tenório Cavalcanti. Também chamado de O Homem da Capa Preta. Nos anos 40, 50 e início dos 60, foi o Manda-Chuva da Baixada. O grande coronel do subúrbio carioca. Se Batman tinha o Robin, Tenório tinha como inseparável companhia a Lourdinha, sua metralhadora. Não andava sem ela. E também com óculos de lentes escuras e chapéu.

Uma vez eu vi o Tenório, eu vi, eu vi sim, juro que vi! Eu devia ser adolescente. Foi no Jardim de Alah. Ele passava em carro conversível pela Visconde Pirajá, em pé no automóvel de capota arriada, de capa (o forro era vermelho, não esqueci) e a Lourdinha em punho. Tinha uma barbicha. Devia estar em campanha. Fiquei fascinada.

Era o Rei de Caxias. Se elegia o que queria por aqueles lados e quantas vezes quisesse. Era temido. Diziam que matava ou que mandava matar. Diziam que tinha um exército e a casa era uma fortaleza. Uma vez o Flávio Cavalcanti, que era um repórter cheio de marra da TV Tupi, no programa Noite de Gala, provocou o Tenório, falou mal, desancou (Flavio adorava fazer isso, seu ídolo era o político Carlos Lacerda e ele parecia querer ser o Lacerda do showbiz), desafiou. Tenório disse que daria resposta, mas só em seus domínios em Caxias. E lá se foi o Flávio, metido em seu black-tie de Noite de Gala, arrotando coragem, todo esquentadinho. Os equipamentos transportados por uns caminhõezões de ocupar quarteirão, com as antenas transmissoras, até a fortaleza do Tenório.

Flávio desembarcou com a equipe da Tupi, as câmeras imensas, os cabos. Entrou na fortaleza, tudo foi instalado devidamente, e Tenório tratou de passar o ferrolho em toda a volta da casa que ocupava o quarteirão: nos portões, nos muros, nas grades, tudo cercado por seguranças, metralhadoras, cachorros, nem Alcatraz era tão protegido.

O Flavio Cavalcanti lá dentro, todo enfatiotado com seu microfone, já mudando de atitude, diminuindo de tamanho, falando mais fino, e a gente em casa vendo a cena. E o Tenório de capa. Capa preta.

Aí quem começou a falar grosso, cheio de coragem, foi o Tenório. Flavio, cada vez menor, diminuindo na proporção em que seu medo aumentava.

Teve lá uma hora em que a chapa esquentou, Tenório subiu nas tamancas e mandou o Flávio Cavalcanti mergulhar na piscina de roupa e tudo. De revóver em punho, o Homem da Capa Preta dizia que ou o Flávio mergulhava ou não saía vivo da fortaleza. Tinha que escolher. Que ali era Caxias, quem mandava era ele. Ele era a lei.

Flávio ainda tentou salvar o fiapo que lhe restava de dignidade, argumentando com Tenório, mas não teve jeito: ou dá ou desce! As câmeras ligadas. E a gente vendo. Estatelado. Siderado. Fascinado. Isso é que era reality show, os de hoje são fichinha.

Aos olhos do Brasil, o maior apresentador da televisão brasileira (era como se a gente somasse hoje o Luciano Huck mais o Faustão mais o Silvio Santos mais a Ana Maria Braga e elevasse ao cubo) caiu de smoking e tudo dentro d’água, submergiu com um braço esticado de fora e, antes de atravessar a piscina semi-olímpica com braçadas de nado crown, emergiu, fazendo, humilde, uma última súplica: “Posso ao menos tirar o relógio? Tem valor estimativo, foi de meu pai!…”.

Tenório deixou. Tratava-se de um sentimental, um homem com coração de manteiga, como vemos.

Duas fotos históricas: Tenório Cavalcanti, o próprio, num registro de 1950, um aparelho de TV da época, e seu inseparável chapéu; a capa famosa, que era forrada de vermelho, e a metralhadora “Lourdinha”. Os “acessórios” viraram peças de museu…

13 ideias sobre “OS PERIGOS QUE RONDAM UMA CAPA PRETA…

  1. minha mãe é tenório cavalcante
    quero saber mais sobre a familia
    não estou atras de dinheiro só de informação
    somos tenório cavalcante pobres, mas curto a história do vovô ou bizo

  2. Show. Quase uma parábola. Cada um interprete segundo sua própria compreensão e consciência. O livre pensar é o fundamento. Parabéns Hilde.

  3. Se houvesse um Joaquim Barbosa, talvez seu irmão e sua mãe não teriam sido assassinados.
    Então qual é a tua ????? É mais uma vendida ????

  4. Caramba, vc arrasou!!! Todo mundo aqui maravilhado com o seu texto. Muito orgulho de ter poder lutar tendo vc do mesmo lado! Pessoas como vc, fazem com que tenhamos a certeza de que estamos do lado certo!

    Sdçs

    Cristiana C. M. de O. Castro

  5. Parabéns Hilde! O texto é brilhante, mas pelo andar da carruagem, acho que vc vai precisar desenhar!
    Um beijo.
    Maria Baldan

  6. Também não entendi onde a colunista desejou chegar! Misturou tudo e não disse absolutamente nada! Não são as capas que fazem a diferença! São os homens! Joaquim Barbosa é o cara! Se isso é bom ou ruim para a sociedade brasileira? Pensem bem! Qual é a resposta?

  7. Muito bom, Hilde!! Tenório faz parte de nosso imaginário, como Mme. Satã, e os malandros da lapa com seus ternos brancos, chapéu panamá e sapatos bico-fino bicolor. E o Colégio Sacré-Coeur de Marie? Como eu torcia para ser escolhido para coroinha nas missas solenes. O momento mais esperado, a consagração (não da missa, a minha), era o momento que eu erguia, e balançava o turíbulo com incenso, de frente para os fiés.
    Primeiro de um lado depois do outro. Com o rosto em brasa, podia quase ouvir os risinhos das meninas. Alguns anos depois conheci uma delas, namoramos, mas não deu certo.

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