THELMA RESTON: DESPOJAMENTO, CORAGEM, ENTREGA. ESTA FOI A VERDADEIRA ATRIZ.

Era o ano de 1966, um espetáculo teatral explodia colorido no Teatro de Arena, em Copacabana, e era o grande acontecimento da cidade: Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Até hoje, para os íntimos, o “Bicho”. Uma co-autoria de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, e Ferreira Gullar. Produção do Grupo Opinião. A ficha técnica reunia o melhor do melhor, com direção de Luiz Mendonça, música de Geni Marcondes, o maestro era o Gaya, a cenografia do Ratto, figurinos do Bacci e um elenco simplesmente ex-tra-or-di-ná-rio!

Agildo Ribeiro fazendo o Brás das Flores, Cleyde Yáconis em desempenho premiado pela APTC, Antonio Pitanga como o Aleijado Zé, Francisco Milani, Hugo Carvana, Denoy de Oliveira, Ilva Niño, Jaime Costa, o próprio Luiz Mendonça, Marieta Severo em seu segundo papel no teatro, Marília Pêra, Odete Lara, Sergio Mamberti, minha tia Virgínia Valli fazendo a Bizuza… enfim, eram muitas personagens.

Porém, a atuação em cena que me impressionou e de que jamais me esqueci foi a de Thelma Reston. Thelma era, realmente, o Bicho. Ela interpretava, leio agora no programa antigo, três papéis: “Rosinha”, “Vespertina” e a “Carcereira”. E em determinado momento andava de quatro pelo chão do teatro de arena, totalmente abandonada ao personagem. Ela e seus peitos enormes, exibidos, expostos sem qualquer pudor, recato ou contenção. Ali estava uma atriz por excelência!

Ali eu descobria, aos meus 16 anos, o que era de fato a  entrega de uma grande artista na cena. Jamais esqueci. Foi uma aula de teatro. Uma lição de vida. O que mais tarde, logo depois, vi no cinema em Fellini e fui assistindo nas peças do Oficina e, no decorrer da vida, em outros momentos épicos do teatro e do cinema, quando a arte, para ser inesquecível e perene, ingressa corajosamente no território da entrega sem pudores.

Assim foi quando Tônia Carrero se despiu das plumas de seus vestidos grifados e dos penteados do coiffeur Renault e se jogou num prostíbulo para ser a Neusa Sueli de Navalha na carne, e foi mais linda do que em todas as personagens sofisticadas e encantadas que interpretou nas montagens bacanas do Teatro Copacabana Palace. Assim foi com a inacreditável Joana de Bibi Ferreira em Gota D’Água, que ficará para sempre. Momentos que marcam.

Thelma Reston seguiu dessa forma, despudorada, absoluta, íntegra, durante toda a vida. Quer como atriz, quer como pessoa. Não fui amiga próxima. Mas era uma amizade querida de minha família. Ela e minha tia atuaram muito juntas, no Opinião, no Teatro Jovem, no cinema. Chorei por Thelma, por sua perda, pelo que seus peitos grandes arrastando pelo chão do Teatro de Arena, exibidos como bandeiras de ousadia, representaram para mim: referências de respeito pela profissão. Eu a acompanhei com carinho, ternura mesmo, como a trambiqueira Violante, uma “heroína sem nenhum caráter”, na novela Aquele beijo, do Miguel Falabella…

Graças ao Falabella, que a brindou com esse belíssimo papel, Thelma Reston, que depois tirou o H e virou Telma, teve um grand finale como atriz…

E quando hoje leio que há atrizes criando caso porque não querem fazer o penteado assim ou assado, desobedecendo a orientação dos diretores de arte das novelas de época, tenho vontade de ir lá ao Projac e lhes dar uma “lição de Thelma Reston”. Podem até ser mais famosas e ricas do que ela foi, mas jamais serão guardadas na memória de um espectador por um momento iluminado de atuação, como eu guardei o meu “momento Thelma”…

Thelma Reston em take do filme Os sete gatinhos, de Neville D’Almeida, inspirado na obra de Nelson Rodrigues, da qual ela se tornou uma referência como intérprete

3 ideias sobre “THELMA RESTON: DESPOJAMENTO, CORAGEM, ENTREGA. ESTA FOI A VERDADEIRA ATRIZ.

  1. De fato, a saudosa Telma Reston era uma Deusa da arte. Eu era apaixonado por tudo o que ela fazia. Pena que ela não está mais conosco. Mas o seu acervo de personagens é muito extenso e, felizmente sempre que possível, nos valemos da tecnologia para matarmos um pouquinho a saudade. Que Deus a acolha em vossos braços.
    Saudade!

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