PORQUE HOJE É FERIADO E TENHO TEMPO: ODE A UMA MULHER DE GRANDE TALENTO

Se eu fosse um cineasta, apresentaria a vocês a decoração do apartamento de Gilsse Campos em takes. Pois cada ponto em que o olhar se fixe é um novo cenário. Sobre o piano de meia cauda, desfilando sua imponência de vestes vermelhas e douradas, um exército fabuloso de matrioshkas, daquelas que nem na Rússia se encontra, só mesmo indo pesquisar em alguma antique shop na Rive Gauche, em Paris, como fez a Gilsse, e mesmo assim dando muita sorte!

No jardim de inverno (pois o apartamento da Praia do Flamengo é daqueles datados do Rio, do tempo em que varanda ainda era chamada de Jardim de Inverno), um fabuloso painel quadrado de mosaico multicolorido, imenso, ocupa toda a parede direita, com algarismos romanos e um buraco no meio, parecendo fonte sem água. Só mesmo quando a dona da casa explica, entendemos que se trata de um grande mostrador de relógio sem os ponteiros, que perdeu sua função desde que foi retirado da fachada de uma igreja em seguida demolida, no Centro do Rio Antigo, arrematado em um leilão. Uma dessas oportunidades maravilhosas que não passam diante de nós duas vezes numa existência.

Mais adiante, a mesinha de centro com vários pratos de prata com relevos Art-Nouveau de imagens femininas. E outra mesinha mais com a mesma temática. O par de espelhos grandiosos Art-Déco, bisotados, emoldurados de azul pervanche, parece ser coisa de casa de Jeanne Lanvin, mas, não, Gilsse explica, é design do amigo Chicô Gouvêa.

Brincando de cineasta, passeio e perscruto minha “lente” curiosa pelo apartamento delicioso de Gilsse, que me revela a personalidade dessa encantadora de mentes, olhares e corações, através do seu feitiço de misturadora de formas, cores, estampas, listras, épocas, objetos, estilos inusitados e desencontrados, na mais perfeita e surpreendente harmonia.

Com este talento especial e único, Gilsse magnetiza os sentidos de quem vê e os enreda, envolve em sua teia, como uma tarântula aveludada e sedutora, cujo único perigo que oferece é a capacidade de produzir beleza.

Assim, na sala de jantar, sabe-se lá com que maestria, ela conseguiu adequar biblioteca com quatro mil volumes. Livros manuseados, lidos, relidos, sentidos e vividos. E também desinfectados, graças a uma equipe contratada da Biblioteca Nacional, que se transferiu para o apartamento, quando ainda vazio, apenas eles e os livros, com duas tendas iglus, cilindros de oxigênio, máscaras, toucas, luvas e todo o tipo de proteção, para a desinfecção total, eliminando traças e quaisquer insetos outros, bem como mofos e odores, que por ventura tenham vindo com os livros da antiga fazenda da família.

Depois de toda essa operação, os volumes foram acomodados nas enormes estantes de laca vermelha construídas especialmente, e lá estão eles, catalogados, limpinhos, cheirosos e sem bugs. Coisas da perfeccionista Gilsse. Além do bom gosto, o asseio…

Dou um zoom – eu não, o meu olho-lente – na chaise longue ao fundo da sala de jantar, onde se espreguiça, non chalante, manta de seda pura diferente de tudo que já vi e entendi. Gilsse esclarece: “São as gravatas do Mauro, que ele queria jogar fora, eu costurei e fiz a manta”.

Enquanto ela explica como fez, lavou as gravatas, desmanchou, passou a ferro e as costurou, manuseio e vou decifrando o trabalho, o patchwork delicado, as gravatas Hermès, o jogo de estampas refinadas, os pedaços com formas se encontrando e desencontrando, formando desenhos, o matelassê diferente em cada pedacinho, de acordo com a estampa, o bordado sobre cada estampado, às vezes com pedrinhas, perolinhas, às vezes sem, as contas de estrasse, os apliques de galão, apliques de bordados, contornos de soutache, a barra de franja e, quando viro o avesso, o forro de seda azul escuro revela os pontos minúsculos dos bordados, com linhas diferentes, provando o ano inteiro de dedicação que custou a Gilsse aquela composição, que poderia até merecer título: “Bandeira do meu Amor pelo Mauro”.

Que outra mulher provaria tamanha dedicação ao marido através de suas velhas gravatas?

Volta-me à cabeça a tarântula de momentos atrás, inspirando-me Aracne, aquela da mitologia grega, cujos talentos sedutores com os bordados tanto irritaram a deusa Atena, que, invejosa, a transformou numa aranha. Gilsse, ela mesma, se faz aranha, não precisa para isso das ‘Atenas’ invejosas…

Ainda conseguem me ler? Mesmo este texto compridão? Então, continuemos o passeio da câmera, pois hoje temos tempo, é feriado, afinal…

Tratava-se de um jantar, 12 à mesa – e que mesa, nem vou descrevê-la! A proposta de Gilsse, desta vez, não era apenas agradar ao Mauro, mas a todos nós. E quando esta mulher se propõe a isso é insuperável!

Sabendo que alguns dos comensais tinham o hábito e o “vício” de, há pelo menos 20 anos, frequentar o Columbia, da Rua da Assembléia, que fechou as portas na última sexta-feira, num segundo “bota-abaixo”, que vai derrubar um resto da parte antiga da cidade, ela tratou de contratar o cozinheiro da casa, duas assistentes e o mâitre, para prepararem e servir o cordeiro ao molho de hortelã e as empadilnhas, de camarão, palmito e frango, iguarias preferenciais do cardápio do restaurante da “família” do Mosteiro famoso. Como chave deouro, camarões empanados. E a máxima da sutileza foi, que para não estragar os apetites, não houve belisquetes antes. Só mesmo ela para imaginar esses requintes.

Tudo servido em pratos pretos e brancos com temática déco mandados pintar à mão. Au dessert, mistura curiosa de salada de frutas, além de bananas flambadas com sorvete. Como pièce de résistance do jantar, a entertainer Gilsse ao centro da mesa.

Ela é jornalista, apresentadora e entrevistadora de rádio e TV. Cantora e showoman. Adora um palco! Ótima anfitriã, sabe entreter, até dons mediúnicos possui (poucos sabem). O que se propõe a fazer, faz direito. Porém, se optasse pela carreira de decoradora, poderia ser um nome internacional. Declaro isso com tranquilidade. E assino. É seu terceiro trabalho que confiro, desde a casa da Urca.

Se escolhesse a atividade, o sucesso seria apoteótico. Ela sabe disso, todos sabem. Contudo, a decoração de interiores a ocuparia de modo arrebatador, a ponto de toldar outro objetivo ainda maior. E sabemos que não seria esta a maior glória para Gilsse, pois é outra a que ela cultiva e que a realiza de modo pleno.

O sucesso principal para Gilsse começa com M.

M de Mauro.

(Com meus cumprimentos ao Mauro, por reverenciar o bom gosto e o talento de sua mulher, com todas as generosidades possíveis).

gilsse campos quadro

6 ideias sobre “PORQUE HOJE É FERIADO E TENHO TEMPO: ODE A UMA MULHER DE GRANDE TALENTO

  1. Gilsse, tenho orgulho de ser sua prima e amiga! Estou encantada com tudo, seu bom gosto, sua criatividade , enfim,tudo o que vc tem feito, inclusive seu último show que mostrou que vc tem presença de palco e que é uma verdadeira showoman! adorei! Quero muito ver de perto essa manta de gravatas (achei a idéia genial) .
    Um grande beijo pra você e pro Mauro.

  2. Texto sensacional pra esta mulher idem!!!
    Adoro a Gilse, admiro-a desde o Sem Censura cuja apresentação foi, na minha opinião a melhor, entre tantas boas apresentadoras. Canta divinamente, tem o maior bom gosto no repertório,e agora vendo esta obra de arte em forma de manta, só posso dizer que ela é mesmo o máximo em tudo que faz!!!
    Um beijo á Hilde e a Gilsse e viva o Mauro!!!

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