Leandro Lo, o campeão que gostaríamos de ter celebrado em vida e não apenas após a morte

 

Hildegard Angel

No Brasil, o boxe não é nem era um esporte popular. Mas quando Eder Jofre ganhou o título de Campeão Mundial de Peso Galo, em 1962, virou celebridade nacional, e até hoje é lembrado e sua memória reverenciada. Quando Maria Esther Bueno ganhou o torneio de Wimbledon em 1959, a maior parte do povo brasileiro não jogava tênis, como ainda não joga, não conhecia o Torneio de Wimbledon, tampouco tinha viajado à Inglaterra. No entanto, Maria Esther Bueno se tornou ídolo nacional, sabia-se tudo sobre ela, e sua roupa de tenista era copiada e comentada. Naqueles tempos não havia redes sociais, assim como não havia grandes feitos brasileiros a divulgar e a se tornarem febre nacional. Isso explica o fato de termos passado a conhecer grandes fenômenos de nossas artes e esportes apenas após sua morte?

Por ordem, puxando pela memória, os Mamonas Assassinas surpreenderam um colosso de gente, que só tomou conhecimento de sua importância depois de a Globo mudar a programação por dois dias para chorar sua morte, sempre repetindo o mesmo vídeo dos Mamonas no Faustão. Ao que parece, não havia outra participação deles em programa da casa. Eram artistas importantes sem o reconhecimento daquele conglomerado de TVs, rádios, jornais, revistas e gravadora.

Mais recentemente, o mesmo ocorreu com Marília Mendonça, a sensacional cantora da sofrência, maravilhosa, e de quem o público fora do circuito sertanejo só ouviu falar após a tragédia aérea. O próprio Paulo Gustavo, que bombava no teatro, lotava auditórios, arrastava multidões para os cinemas, não alcançou o estrelato televisivo de outras celebridades. Sua morte foi uma comoção, multiplicou glórias e reconhecimento que poderiam ter havido antes.

As grandes corporações midiáticas promovem e incensam os artistas e atletas seus contratados, não os demais. Elas dominam o mercado com suas gravadoras, produtoras de cinema, tevês, rádios, imprensa. Quem não está nesse catálogo fica de fora, não participa dos shows de Roberto Carlos no fim de ano, não é mencionado nas novelas, muito menos desperta o interesse de seu jornalismo. Fato.

A Record também tem a sua bolha evangélica, e só joga para ela. Quem ainda escreve a história da fama nacional é a TV.

Vamos ao Leandro Lo. Um ídolo internacional, ícone mundial do jiu-jitsu. São impressionantes as manchetes no mundo inteiro lamentando sua morte trágica. Altos elogios e lamentos dramáticos contra a violência covarde de que foi vítima. No exterior acontecem vigílias de fãs, manifestações indignadas dos aficionados do esporte. No Brasil, o atleta brasileiro Leandro Lo foi praticamente uma novidade pós mortem.

Esperamos que a prerrogativa de proporcionar reconhecimento saia do âmbito apenas das emissoras douradas e platinadas e se espraie pelas outras mídias. Os influenciadores digitais que também têm o controle da opinião, que assumam o papel importante de repercutir quem de fato acontece, e não apenas reverberar os contratados por A, G ou R.

Numa busca no Google de registros da mídia brasileira sobre o super-campeão mundial Leandro Lo encontrei apenas 11 páginas, sendo que 10 com datas de a partir de seu assassinato. Lo era solenemente ignorado. Ao fim da 11ª página (incompleta) sobre o atleta no site de buscas, surge a observação:

In order to show you the most relevant results, we have omitted some entries very similar to the 102 already displayed.”

 Tradução: “Para mostrar os resultados mais relevantes, omitimos algumas entradas muito semelhantes às 102 já exibidas.”

Cento e duas matérias!  Nosso atleta fabuloso mereceu apenas 102 entradas relevantes para o Google.

Aos 14 anos, Leandro Lo recebeu a faixa preta. Aos 21, em 2011, já era campeão brasileiro de Jiu Jitsu sem quimono, e de novo em 2012. Naqueles dois anos foi também Campeão Brasileiro (CBJJ), feito que repetiu em 2017. Em 2011, 2013, 2014 e 2015, foi Campeão Mundial Abu Dhabi Pro (UAEJJF). Campeão Pan-americano (IBJJF) em 2012, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018. Campeão Europeu (IBJJF) em 2017. Em 2012, logrou seu primeiro Campeonato Mundial (IBJJF). Outros, em 2013, 2014, 2015, 2016, 2018 e 2019, 2022. Oito títulos sucessivos como Campeão Mundial!

Essa gloriosa carreira de sucessos no jiu-jitsu de Leandro representou vergonhosa carreira de vexames da mídia brasileira. Todo mundo sabe quem é ex-BBB, mas ninguém sabe quem foi Leando Lo. Só nos resta lamentar os títulos, que não festejamos, os campeonatos, que não acompanhamos, o ídolo, que não adoramos, ao tempo em que estava vivo para receber o calor de nossa gratidão e o afago de nosso reconhecimento.

A Bandeira do Brasil que nos orgulha é a que sobe ao pódio das vitórias suadas e corajosas de nossos atletas, artistas, empreendedores. Não aquela usada como foulard, no pescoço, pareô e camiseta de passeatas que empurraram nosso país para o desastre mais calamitoso de seu tempo.

Para esse quadro excludente, que favorece e contempla apenas  contratados e protegidos da mídia corporativa, há uma solução: uma regulação da mídia que não permita a criação de monopólios, verdadeiro garrote, que aperta, limita, restringe o reconhecimento de nossos valores nos mais variados campos da vida brasileira.

A propósito, Marielle Franco também se tornou conhecida apenas após sua morte.

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