E temperando com pimenta e sal o debate de com açúcar, com afeto

Hildegard Angel

Sem açúcar e sem afeto, a polêmica rolou com fôlego nas últimas semanas. Os humores exaltados se deviam à ideia logo formada de que Chico Buarque de Holanda deixara de cantar uma de suas mais belas canções para atender a imposições das feministas, que consideram inadequada a letra de “Com Açúcar, com afeto”

E Chico calado, olhando de longe o debate acalorado. Surpreso com a multidão de ‘advogados do Chico’, safra e tanto, que brotavam no solo fértil da Internet, tomando partido a favor ou contra, não mais da letra da canção, mas das pautas identitárias, apontadas como o xis do problema.

Polêmica absurda, assim pensou o Chico, supondo que toda aquela energia seria melhor aproveitada se assistissem ao especial ótimo sobre Nara Leão na Globoplay, em vez de alimentar um debate que foge do contexto. E não é só porque Chico já não cantava essa música há anos, é que também há 30 anos ninguém pedia que cantasse, conforme ele próprio explica, e por quê? Porque não vê sentido para esses tempos, porque decidiu não cantar, porque é assim com todos os artistas diante de um repertório. Nem está sendo censurado menos ainda se autocensurando… e o debate pegou fogo a partir de premissas muito inventivas. Está difícil até defender a posição que ele mesmo sustenta no especial da Nara. Enfim, seguimos.

À revelia, porém, do contexto e do próprio Chico, a fagulha do debate visto por ele como absurdo se expandiu em fogaréu, dada à alta temperatura do elenco de bobagens que vêm sendo perpetradas, ditas, escritas, pensadas, em nome das causas identitárias, e que agora ganhou mais um ator, o próprio debate, a que se agarraram os devotos do Santo Pretexto para botar o dedo na cicatriz mal costurada dos ativismos desengonçados.

Talvez – quem sabe – apenas uma pausa no debate nacional de uma nota só, a nota B, que exaure a todos nós. Letra B daquilo que lhes vem primeiro à cabeça, e esqueçam josta, que pra mim é com J, já que meu lado “Com açúcar, com afeto” não gosta de dizer vulgaridades. Pra vocês verem que, até sem pretender a evidência e o posto, Chico faz um bem enorme ao Brasil, em todos os campos, e inspira, mesmo por vias transversas, equivocadas, discussões que desafogam nossos corações, desatam os nós das gargantas, nos fazem sentir inteligentes e guerreiros em outras militâncias, que não sejam apenas puxar a descarga para nos livrarmos do B.

Esgotados os 15 minutos da Teoria de Warhol, o tema murcha em interesse, e despretensiosamente dá samba, que aqui apresento em primeiríssima, música de Gilson Espíndola e letra do jornalista Gilvandro Filho, que concorda com  Chico em tudo, sem por nem tirar.

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