Cicatrizes passadas das Forças Armadas são exemplo a outras instituições brasileiras

Respondendo ao leitor Sergio, ex-FAB, que deseja saber se meu irmão – sacrificado, esfolado vivo no pátio da Base Aérea do Galeão, morto em câmara de tortura subterrânea no local, posteriormente aterrada – teria pego em armas.

Minha resposta:

“Posso lhe dizer, prezado leitor, que meu irmão era um pacifista. Posso ainda lhe dizer, que, segundo ouvi de antigos companheiros do movimento, Stuart e Carlos Alberto Muniz foram as vozes que se levantaram opondo-se a que o MR-8 pegasse em armas, quando o tema foi posto em discussão entre eles, mas foram voto vencido.

Digo também que, acuados diante da opressão, sem possibilidade de diálogo ou trégua, todos somos levados a alguma reação.

Foram colocados tanques na rua, soldados a cavalo, “gorilas” disfarçados de civis e fortemente armados, residências invadidas, estudantes impedidos de frequentar suas escolas, pessoas sequestradas e com paradeiro jamais sabido, enfim, toda a sorte de intimidação e agressão contra jovens que tinham como armas apenas suas ideias e seus livros.

Vivíamos num cenário de farsa em que muito se inventava, mentia, forjava, para denegrir, punir, prender, torturar, matar. Um cenário de permanente “caça às bruxas”. Julgado à revelia, como se vivo estivesse, mesmo depois de morto, meu irmão foi três vezes absolvido nos tribunais militares, em julgamentos a que assisti com minha mãe.

Isso é tudo o que posso lhe dizer.

Sobretudo sei que, no lugar dele, em situação de risco, qualquer um recorreria a uma arma. O senhor. Eu também. Legítima defesa está em nosso código penal.

Posso, por fim, lhe afirmar que muito me orgulho de meu irmão ter sido um revolucionário. Ele queria melhorar a condição do povo, recuperar sua liberdade, reconduzir o país ao estado democrático. Deu a vida pela causa. Um mártir, um herói brasileiro.

Louvo este atual momento de paz e harmonia institucional, por mais que a ânsia desestabilizadora, fomentada por interesses estranhos à nossa soberania, tente mais uma vez gerar o caos.

Como cidadã, admiro as Forças Armadas em seus princípios patrióticos de defesa de nossa Nação soberana, e não me oponho a elas. Temos e tivemos grandes, nobres e louváveis militares nas 3 Armas. No entanto, reservo-me o direito de manifestar minha inconformidade sobre a névoa que se insiste em manter a respeito dos fatos. Famílias brasileiras até hoje sofrem com isso. Muito. A impunidade não é construtiva. Mesmo que a punição consista apenas em um registro na folha pessoal, isso já seria uma satisfação dada.

Não podemos construir coisa alguma em cima da negação de fatos tão sérios. Que dirá uma Nação.

“64” não foi fruto apenas da ação de militares. De fato foi tramado, urdido e insuflado pelos interesses de alguns civis, políticos sequiosos do poder fácil, de empresas ambiciosas e do estrangeiro voraz. Os militares vieram por último. E hoje são eles os mais cobrados pela opinião pública.

Os grandes responsáveis e incentivadores daquele golpe de Estado, os que prosperaram e mais se locupletaram com ele, lavaram suas mãos como Pilatos, quando lhes foi conveniente, aderindo ao novo alvorecer democrático do país, no fim da década de 80.

Agora, de novo mostram a face oportunista de suas conveniências. Porém, desta vez as Forças Armadas estão blindadas pela experiência do passado recente, do qual guardam cicatrizes amargas.

Tais cicatrizes deveriam servir de alerta a outras instituições brasileiras na atualidade.

Minha avó sábia, Francisca, costumava alertar as crianças: “Violência gera violência”.”

5 ideias sobre “Cicatrizes passadas das Forças Armadas são exemplo a outras instituições brasileiras

  1. Quando fecham-se as portas para o exercício dos direitos do cidadão e as instituições que deveriam protegê-lo voltam-se contra ele e seus entes queridos, movidas por interesses escusos nacionais e estrangeiros, de forma muito parecida com o que ocorre hoje, quando altas autoridades da Alta Burocracia do Estado, judiciário, MP, PF, entre outras tantas instituições, corrompem-se e procedem ao arrepio das leis, novamente a serviço de valores e interesses estranhos ao nacional, chega um momento em que o cidadão entra em estado de desesperança e não hesitará em apelar para qualquer recurso, por mais extremo que seja. A história está cheia de exemplos que nos mostra que quem cria as condições para que surjam os movimentos terroristas populares são as autoridades que estrangulam a população ao ponto insuportável em que perde-se até os valores de respeito às leis e a própria vida.

  2. Concluindo suas palavras: Todos sofreram com o violento golpe de 64, inclusive os militares…Tudo motivado por interesses sórdidos, que, parece, tentam retomar de forma quase igual.

  3. Apoio sua luta, Hildegard, para que se faça luz sobre as trevas que marcaram o periodo de chumbo, a ditadura civil-militar no Brasil. Civil porque ela teve base na sociedade civil, na imprensa, em empresarios e industriais do Brasil. Não todos, claro, mas uma boa parte, a ponto de que ela pôde se manter no poder por mais de vinte anos.

  4. Grato pela resposta. A sra. tenha certeza de que “aquele” brigadeiro (considerado insano e sanguinário na própria Força) e seus “assessores” nunca representaram o pensamento dominante na FAB onde jamais se interpretou o AI-5 como pretexto para barbaridades e sempre se procurou respeitar a “Lei contra o abuso de autoridade” de autoria do Marechal Castello Branco, lei esta que o AI-5 nunca pretendeu revogar e tampouco revogou. Novamente, obrigado.

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