Sobre Hildegard Angel

colunadahilde@gmail.com Hildegard Angel é uma das mais respeitadas jornalistas do Rio de Janeiro. Durante mais de 30 anos foi colunista no jornal O Globo, quer cobrindo a sociedade (com seu nome e também com o pseudônimo Perla Sigaud), quer cobrindo comportamento, artes e TV, tendo assinado por mais de uma década a primeira coluna de TV daquele jornal. Nos últimos anos, manteve uma coluna diária no Jornal do Brasil, onde também criou e editou um caderno semanal à sua imagem e semelhança, o Caderno H. Com passagem pelas publicações das grandes editoras brasileiras - Bloch, Três, Abril, Carta, Rio Gráfica - e colaborações também em veículos internacionais, Hildegard talvez seja a colunista social com maior trânsito

Partiu Mirtia Gallotti, com sua risada musical

Hildegard Angel

Mirtia Gallotti era sistemática. Como sempre fazia, depois de acordar e tomar o café foi tomar seu banho matinal e lavar a cabeça. Às 11,30 horas foi encontrada morta no chuveiro. Mirtia era muito cuidadosa consigo mesma, sua saúde. Ela tinha pressão convergente, quando a pressão máxima se encontra com a mínima, o que é sempre um grande risco, e tomava regularmente seus remédios para a pressão. Já tem algum tempo, Mirtia se tornou medrosa, não saía mais à noite, não dirigia mais automóvel. E estava muito impressionada com a pandemia.

O programa social obrigatório e preferido de Mirtia Gallotti eram os cineminhas de sábado em casa dos amigos João Maurício e Maria Alice Araújo Pinho, com quem Mirtia conversava todos os dias ao telefone, e era What’sApp toda hora. Nossos últimos encontros sociais foram no cineminha dos Araújo Pinho e em jantares em minha casa.

Desde que enviuvou de Antonio Gallotti, Mirtia nunca mais se casou. Ou melhor, nunca mais quis se casar. Candidatos não faltaram. Como o banqueiro Jorge Piano que, quando enviuvou, tentou lhe fazer a corte, mas ela não o estimulou. Ela sempre foi muito seletiva. Muito religiosa, ia à missa de São Paulo Apóstolo regularmente. Em Paris, não abria mão das missas na Rue du Bac. E não posso esquecer seu carinho, sempre nos trazendo de lá um vidrinho de água benta. Era muito bonita. A imagem mais bela que guardo de Mirtia é correndo à beira mar, em Miami Beach, toda cinza, training e camiseta, com o rabo de cavalo louro cinza embalado pelo vento. Cinematográfica.

A outra imagem que guardo de Mirtia foi de quando a conheci, como Mirtia Kegler, levada por Tony Gallotti a um jantar em casa da grande amiga dele, Consuelo Pereira de Almeida, que veio a se tornar também grande amiga dela. Gallotti era um dos mais poderosos empresários brasileiros, carreira iniciada como advogado da empresa canadense Brazilian Traction, Light and Power Company,  responsável pela geração e a distribuição da energia elétrica em Rioe São Paulo e também controlava os serviços de gás, telefone e bondes no Rio e em São Paulo, bem como todos os serviços de utilidade pública em Santos. Possuía, além disso, diversas subsidiárias para a instalação de serviços de luz, força, telefone e gás nas principais cidades do país. De advogado a representante do grupo no Brasil, e depois presidente da Light, e chefe executivo do Grupo Brascan Brasil, Administração e Investimentos, organização cujos investimentos eram estimados em dois bilhões de dólares.

A Mirtia Kegler era completamente diferente da quase sóbria e contida Mirtia Gallotti. Iluminada, esfuziante, risada rouca e musical, ela encantou naquela noite em que Gallotti a introduziu em seu círculo de amigos. Estavam também presentes, além de nós, Roberto e Yara Andrade, Roberto e Stella Campos. O que deu margem a uma mesa de anedotas impagáveis, com Tony e os Robertos brilhando com seus repertórios de piadas, que sabiam muito bem contar.

Antonio Gallotti voltava à plenitude de sua exuberância, depois da conturbada separação de Miriam Atalla, sua segunda mulher. A primeira chamava-se Minda (Arminda). Iguais no prenome, totalmente diferentes nas personalidades.

Mirtia tinha dois grandes amores. O filho, advogado Luciano Saldanha, casado com a jornalista Maria Beltrão, e a neta, Ana Beatriz, do primeiro casamento de Luciano. Hoje, Maria Beltrão não apresentou o Estúdio I, e com fortes motivos para isso. De certo, o jornalismo estava sempre presente na vida de Mirtia, cujo primeiro marido, Saldanha Coelho, foi um importante jornalista político brasileiro, vereador, deputado, sempre ligado ao PTB.

Não haverá velório nem enterro, devido à pandemia. Repousa em paz, querida Mirtia.

Mirtia Gallotti e Maria Alice de Araujo Pinho, grandes amigas

Mirtia Gallotti convidava, e estava em dia de astral particularmente ótimo: aquele sorrisão.

A capricorniana Mirtia

A cura (das obras públicas) está no melhor preço

Francis Bogossian*

Houve um tempo no Brasil em que as obras eram executadas com acompanhamento técnico.

Isso foi lá pelos idos dos anos 60, quando entrei no mercado da engenharia, e ainda se
estudava e se realizava projeto executivo. Nas últimas décadas, essa prática foi caindo em desuso e se passou a licitar com menos estudos, sem projeto executivo, algumas vezes até sem projeto básico e muitas vezes sem anteprojeto.

Cabe lembrar que, até os anos 80, a boa oferta do mercado e os preços realistas permitiam que os executores das obras empreendessem estudos complementares, revisassem os projetos apresentados às licitações e acompanhassem passo a passo sua execução, num verdadeiro ‘pente fino’ para eliminar eventuais deficiências dos projetos licitados.

O cenário seguinte, aquele em que atualmente estamos, com as oportunidades reduzidas e as condições econômicas desfavoráveis, é o das licitações com carência cada vez maior de dados, em que as únicas alternativas que se apresentam são ganhar os serviços com preços incertos ou declinar deles. A segunda hipótese significa ter que demitir os técnicos, desmobilizando equipes constituídas com grande esforço.

Mas não só os aspectos técnicos são determinantes em uma obra de engenharia, a questão econômica também prepondera na escolha da melhor solução.
Numa realidade em que a escassez de recursos acontece em âmbitos federal, estadual e municipal, a aplicação correta das verbas disponíveis deveria ser objetivo primordial e constante dos órgãos públicos, o que não ocorre.

É baixo o custo de uma solução que deixe a desejar tecnicamente. Porém, adotá-la não compensa os altos riscos econômicos, sociais e humanos que podem dela advir. Por isso, a necessidade de uma avaliação criteriosa dos projetistas e dos contratantes – em grande parte o poder público – já que a abrangência do colapso de uma obra é infinitamente superior a qualquer custo material.

Sim, a busca pela solução de menor custo deve sempre ser a meta do projetista, mas tendo como base os aspectos técnicos e de segurança. Este sempre foi um princípio básico da engenharia. Para definir uma solução de melhor relação custo e benefício, na fase de pré-projeto, são fundamentais a engenharia geotécnica e a geologia. E o que vemos muitas vezes acontecer?

Para compensar a falta de dados geotécnicos, que envolvem principalmente razões
econômicas e às vezes prejuízos do cronograma, os projetistas costumam recorrer ao
superdimensionamento das obras. Muito mais adequado do que isso seria a utilização de novas tecnologias. E este é o grande desafio que lanço aqui às universidades, com apoio das empresas de engenharia: que incentivem as pesquisas, única forma de se adquirir conhecimentos e utilizar experiências práticas para chegar a soluções inovadoras e de menor custo. O Brasil tem uma grande tradição de soluções inovadoras, e esse talento é um ativo nacional que deve ser estimulado e explorado.

Na Academia Nacional de Engenharia, que tenho a honra de presidir, estamos priorizando três diretrizes, em nossos comitês de Inovação e de Ensino:

  • Atualizar o currículo do ensino de Engenharia, abraçando a Inovação, unindo, tanto quem ensina quanto quem emprega o engenheiro;
  • Instar junto aos ministérios de Ciência, Tecnologia e Inovação, Educação e
    Infraestrutura, visando agilizar e acelerar posturas urgentes de inovação tecnológica no setor da Engenharia, o qual atua na medicina (equipamentos), na construção, na manutenção, na indústria, na segurança etc.;
  • Instar junto ao poder público na luta pelo melhor preço, que propicia, ao próprio
    empresário, condições financeiras para inovar nos serviços e obras que executa.

Como último fator relevante para a excelência das obras, é de se destacar um
acompanhamento diligente pós-construção. Via de regra, as obras são duplamente esquecidas após sua inauguração; pelo construtor, que não é contratado para isso, e pelo contratante, que teria a obrigação de zelar por elas.

Mas o consumidor não se esquece de estar sendo preterido, na ausência dessa obrigatória manutenção. O Sistema de Gestão da Qualidade ISO-9001:2005 preconiza que todas as obras sejam entregues ao proprietário com um Manual do Usuário. É este o instrumento definidor de responsabilidades para que as obras sejam acompanhadas sem haver seu  sucateamento. O documento fala na importância da qualidade para evitar o retrabalho, e na gestão de resíduos para garantir a proteção ambiental. Isso tem obrigado muitas empresas a investirem os próprios recursos em consultorias de gestão, segurança, responsabilidade, saúde ocupacional, para estar aptas a licitar para contratantes como o Sistema Petrobras, por exemplo.

A inversão de responsabilidades vai ao ponto de empresas de engenharia oferecerem abatimento nos preços do custo básico de seus projetos, para ganhar obras públicas. E vão sobrevivendo à base de empréstimos e rolagem da dívida. É um círculo vicioso que precisa ser interrompido. Pois o vício corrói, não só o bolso dos construtores como a qualidade do que é contratado.

As alegações dos contratantes de que a maioria das obras ocorre dentro de padrões
satisfatórios de desempenho, qualidade e prazos não nos impedem de questionar: Como fica a responsabilidade social de governos e empresas com obras apenas satisfatórias, cumprindo o mínimo das exigências legais? E a sociedade, como fica no atendimento de sua satisfação? Não nos cabe perguntar como fica a engenharia brasileira, diante de obras apenas satisfatórias, com equipamentos sucateados, canibalizados e superados pela falta de recursos ante os preços de custo praticados, e até mesmo de bem abaixo do custo. Não colocamos a pergunta por que, lamentavelmente, sabemos a resposta.

Um nascimento para ser saudável exige atenção contínua, exames de pré-natal e um parto bem feito. Uma obra de construção bem sucedida necessita acompanhamento diligente desde a concepção, diagnósticos precisos, testes e controle de riscos. Os Estudos e Projetos na engenharia são como os cuidados indispensáveis a um paciente na medicina, que devem ser preventivos e até o fim da vida. Tal qual a saúde dos Homens, a saúde das obras precisa ser constantemente monitorada e cuidada durante toda a sua vida útil.

Por maiores a pressa e/ou razões políticas, as obras públicas jamais devem ser iniciadas sem projetos executivos. Não se justifica o que vemos acontecer pelo país afora: uma pandemia de obras públicas contaminadas pela ausência de projetos executivos e estudos prévios.

A cura contra esse mal é o melhor preço, aquele que propicia qualidade e segurança.

O chamado “menor preço” costuma ter um custo alto para o Estado e para as nossas vidas. É como a panaceia da cloroquina, cujo único resultado constatado é a satisfação do imediatismo de vendedores e políticos.

*Francis Bogossian preside a
Academia Nacional de Engenharia,
tendo sido Presidente do Clube de
Engenharia (2009/15), do CREA-RJ
(março a outubro de 2020) e
Professor da UFRJ e da UVA

O episódio Greenwald-Biden-The Intercept ou quando o jornalismo se assume partidário

Hildegard Angel

Não podemos ignorar que Glenn Greenwald já tinha Joe Biden atravessado na garganta desde sua perseguição a Edward Snowden. Não é de surpreender que o jornalista, nesse momento crucial para Biden, tenha aproveitado a oportunidade para lhe dar “o troco”. Esse é o aspecto das fraquezas humanas, que envolve o episódio Greenwald-Biden-The Intercept. O que não invalida o aspecto ético profissional da atitude de Glenn, ao romper com The Intercept ante a quebra da cláusula de um contrato, que lhe garantia total liberdade para seus textos e colocações. Não se trata de uma questão de “edição”, mas de “censura”, sejamos sinceros sobre isso.

E não é de estranhar que os trumpistas se aproveitem do calcanhar de Aquiles do oponente – e que calcanhar! – com a Fox News abrindo estúdio, câmeras e microfones para Greenwald expor a Tucker Carlson as suas razões. A Fox está jogando seu jogo aberto de sempre. O peão estranho nesse tabuleiro é Glenn, que não viu problema em ir falar no “campo inimigo”. Assim como a imprensa de esquerda, tradicionalmente combativa, muda de postura e recolhe as garras, como um cão domesticado e sem faro, passando ao largo dos e-mails nos três laptops de Hunter Biden deixados para conserto numa oficina em Delaware.

Nessa reta final de campanha, qualquer descuido pode significar catástrofe tão grande quanto foi o vazamento dos “e-mails hackeados”, que pode ter custado a Hillary Clinton sua eleição em 2016. O que também expôs a conspiração contra Bernie Sanders pelo Democratic National Committee – DNC, desfazendo ilusões (se havia) de que nessa contenda existam éticos e bonzinhos.

Sim, os vazamentos dos e-mails de Hillary eram de interesse público e deveriam ter sido publicados de qualquer maneira. A política é uma disputa permanente entre a corrupção e a transparência. Ganha a democracia, quando a transparência é vencedora. A imprensa está agora confrontada com o mesmo impasse. Por mais que possa prejudicar Biden, o artigo de Glenn Greenwald também é de interesse público, e esse fato precisa ser esclarecido. Deixar a tampa sobre o lixo nem sempre evita o mau cheiro.

O The Intercept sabe disso, e não costuma se acanhar diante de fatos controversos. Seu acanhamento é que é o fato novo.

A liberdade jornalística está posta em questão, quando um site como o The Intercept, considerado um baluarte da liberdade de opinião, trai as próprias convicções ou – vamos ser mais realistas – trai a imagem da própria marca.

O Intercept não é imparcial, Glenn também não é. No atual quadro, ninguém parece ser. Ao rasgar a fantasia de imparcialidade partidária, assumindo um lado, os órgãos da mídia, ao mesmo tempo em que se tornam mais transparentes, decretam o fim do jornalismo ideal, sem preconceitos, no qual, mesmo se dele houvesse apenas o verniz, muitos ainda acreditavam.

Glenn Greenwald, o marido , David Miranda, e os filhos

VISÃO DO INFERNO

Pintura de Portinari

Hildegard Angel
O fogo nos consome. Queimam os sabiás, as palmeiras de Bilac, as onças do Pantanal, a maçaranduba, o cedro, os jatobás de nossa Floresta Amazônica. O hospital público deficitário arde em chamas e respira por aparelhos, num esforço desesperado para, mesmo sem fôlego, salvar nossas vidas secas. O incêndio não é desastre, é projeto. A Pátria é o butim que eles golpeiam, esquartejam, repartem.
Como hienas famintas, se atiram sobre nossas carnes. Um quer o Banco Central pra dividir com seus cupinchas. Outro quer dar o sistema de saúde pros comerciantes da dor, nem que para isso se redija nova Constituição. O senador pleiteia o aquífero pra sua multinacional vender em garrafas plásticas. O Pré-sal já se foi, junto com nossas esperanças equilibristas…
Enquanto isso, o “imperador piromaníaco”, assim tão bem definido por seu ex-porta voz, toca sua harpa em desafino com a vida, e “o coral dos puxa-sacos cada vez aumenta mais”.
Quando partirem, nos deixarão a carcaça atirada na caatinga, como no quadro de Portinari. E nós, brasileiros, condenados a sermos eternos retirantes, passeando nossa desgraça ante os olhos distantes de robustos espectadores estrangeiros, que assistem pela TV ao holocausto do Terceiro Mundo, como seriado da Netflix.

Consternação na elite carioca, com a morte do armador Fragoso Pires, dois meses após seu filho, Rafael, ambos pela Covid-19

José Carlos Fragoso Pires, entre o neto e o filho, ambos José Carlos, e ao lado do consogro Milton Lódi, todos turfistas
Minha homenagem a José Carlos Fragoso Pires, aqui com seu neto, José Carlos, e seu filho, José Carlos. Três gerações de Fragoso Pires apaixonados pelo turfe. Hoje nos deixou o José Carlos avô, dois meses após a partida de seu filho, Rafael. Ambos infectados com a Covid-19, ambos com doenças pre-existentes. Foram dos primeiros a serem contaminados no RJ, por ocasião do almoço de noivado da filha de Rafael e neta de José Carlos, Alessandra, em casa dos pais do noivo, Maritza e Alberto de Orleans e Bragança. Na época, falou-se em 40 contaminados no evento, logo nos primeiros dias de março. Nossa saudosa Mirna Bandeira de Mello também contraiu o coronavírus naquele almoço. Um trauma forte para a sociedade carioca, e sobretudo para os noivos, que adiaram o casamento para ano que vem.
Rafael Fragoso Pires e esposa, Márcia Muller, cuja união foi notícia aqui neste blog há 10 anos. 
Ao lado de Ângela, José Carlos era o “castelão” da famosa cobertura triplex, onde moraram Gilda e Carlos Guinle, pais de Jorginho, no prédio construído por eles na praia do Flamengo, e que agora viralizou na internet, em linda reportagem sobre o imóvel deslumbrante, posto à venda. Fragoso Pires foi um grande armador e um notável presidente do Jockey Club Brasileiro. Era um prazer conversar com ele, que gostava de falar sobre cultura, tradições, história do Rio de Janeiro e de sua sociedade. Discreto e elegante. Formou com Ângela um casal representativo, não só no aspecto social, como também na benemerência e nos eventos culturais. Significou uma época de um Estado do Rio de Janeiro empreendedor, ambicioso e alçando altos voos, com sua vida social fervilhando com industriais, banqueiros e políticos. Um Rio com força, poder e beleza. Fragoso Pires viveu como um grand seigneur, em seu palácio suspenso sobre a vista mais linda do mundo: a da Baía da Guanabara. Só posso dizer que o Céu, com José Carlos e Rafael, está muito mais elegante.
O armador José Carlos Fragoso Pires e Angela 

ARREPENDIMENTO

O Blog transcreve a crônica “ARREPENDIMENTO”, de Ricardo Cravo Albin, escritor, pesquisador da MPB, presidente do Pen Club do Brasil e do Instituto Cravo Albin

Por Ricardo Cravo Albin

“O arrependimento é o acordar tardio da consciência. Breve é a loucura, longo será o arrependimento.” (Friedrich Schiller).

Guardo no melhor escaninho da memória dos bancos escolares do Internato do Colégio Pedro II (Ah, o casarão amarelo de São Cristóvão inaugurado pelo próprio  Imperador) uma frase de Euryalo Cannabrava, o melhor catedrático da matéria Filosofia que nós, os  então adolescentes daquele final dos anos 50,  poderíamos ter acolhido nos nossos verdes corações.

Mestre Euryalo pontificava, ao repetir como um mantra – “O arrependimento será sempre o acordar tardio da consciência”, que ele atribuía com orgulho ao alemão Schiller.

Isso era comum, em especial quando comentávamos em aula erros e acertos do tema preferencial daqueles tempos de temores, a construção de Brasília e os desequilíbrios que a inflação crescente parecia fazer desabar sobre o vertiginoso País de nossas esperanças, de nossas decepções, umas e outras temperadas pela fé no futuro, que deveria estar a bater às portas dos jovens que éramos, os estudantes. Mas que até hoje nunca chegariam…

Vejo agora essas sombrias reflexões tisnarem as contradições do atual governo, nos pontos seguintes:

1-            O desastre ambiental provocado reiteradamente, e sem sombra de arrependimento, pelo teimoso Ministro do Meio Ambiente “será isso mesmo o que ele é, teimoso?”

Uma querida amiga de décadas, ambientalista doutorada por Harvard, também minha colega quando trabalhamos juntos na sede do BID em Washington entre 1963-64, duvida dessa irrefreável teimosia atribuída ao Ministro, e o fez ontem pelo telefone.

Recordo que ambos éramos orientados no Banco pelo diretor Evaldo Correia Lima, pai do hoje acadêmico Antônio Cícero.

Minha colega de sala era apaixonada pelo Rio. E quase sempre me instava a lhe repetir gírias de uso comum  pela cidade. Que ela anotava com unção em pequeno caderno forrado de veludo vermelho, cujo título eu considerava mais uma excentricidade de intelectual com pouco a fazer: “Idiomatic Carioca Language”. Elacontinua a me telefonar vez por outra, porque ama o   Brasil de verdade.

Há dias, me disparou pergunta fulminante – “mas quem é mesmo esse Ministro que se diz do meio ambiente?” – “macacos me mordam, mas ele até parece o Benedito- gíria de época”. Que fúria teimosa esse funcionário devota para destruir o que o Brasil tem de mais apreciável, ou tinha, que é a luxuriante diversidade de seu meio ambiente, que nós dois estudamos juntos no BID há tantas décadas.

A ligação foi encerrada com frase nostálgica – a cada semana procuro nos jornais a notícia de que Bolsonaro “lhe dê o boné- gíria de época”, para recuperar seu nome que não anda em alta por aqui.

E aduzi – “esse ato de gestão política seria tão conveniente, que Bolsonaro poderia aproveitar a machadinha (e, atenção, xô xô a moto serra!) e também “cortar o mal pela raiz” de um outro entrave a espantar o Brasil aos olhos do mundo, o inacreditável Chanceler. Ambos só diminuem o Presidente do seu País, nada, nadinha lhe acrescentando de positivo em troca.

Até por isso, faço abaixo breve perfil de ao menos dois contrassensos, diria melhor, duas insanidades desse Antiministro do Meio Ambiente, como lhe chamou há dias o colunista Bernardo Mello Franco. Pois bem. Toda a consciência viva da nação imaginou que depois da fatídica frase proferida na reunião de 11 de abril “aproveitemos a pandemia para ir passando a boiada sobre o meio ambiente”, o Ministro se calasse para sempre. Ledo engano. Nesta semana duas notícias alarmantes desabrocharam de seu coração intimorato.

A primeira, e gravíssima, ocorreria no Plenário semidestruído do Conselho Nacional do Meio Ambiente, agora manipulado pelo Governo, ao demitir quase 2/3 de ambientalistas de verdade, mantendo apenas 1/3 de funcionários que dizem amém aos caprichos especulatórios do Ministro. O CONAMA acabou de revogar normas sedimentadas que protegiam manguezais, restingas e reservatório de água.

O comentário mais indignado, minutos depois da tragédia consumada, veio da representante do Ministério Público Federal, Fátima Borghi, que tudo resumiu na frase – “foi um descalabro”. O descalabro já apontava dois beneficiários certos, a indústria hoteleira e, atentem, a nunca ausente especulação imobiliária, que pressionaram nosso Presidente desde a campanha para construir condomínios milionários e resorts em áreas já protegidas. Fácil assim, pois não? Essa seria a primeira e escandalizada reclamação da amiga ambientalista do BID acompanhada pela frase-refrão – “mas será o Benedito?” que ressoaria como grito de horror por todo País civilizado, e mais que nunca desprotegido. Essa invocação à  antiga (e  deliciosa,  segundo  Houaiss) gíria carioca se torna ainda mais agônica com a continuação do arder no Pantanal e na Amazônia, a partir de milhares de focos de devastação. O que, sabemos todos, nunca teria ocorrido em tal nível. E por quê? Dizer que só Deus explica será mentira, já que satélites monitoram toda região com lentes poderosas metro a metro. Aliás, registro minha comoção ao ver pela TV uma dezena de onças no Pantanal salvas do fogo. As patas queimadas, enroladas em pano branco, até pareciam botinhas surreais. De chorar… Ou melhor, de ranger os dentes de puro desconsolo.

E o que faz, quando esbraveja e se vê chorar o Antiministro? (atenção, eu disse Antiministro e não Anticristo embora a tentação de aproximação seja muito forte).

Esta tentativa de pulverizar mais um bioma não é a primeira muito menos a última do tenaz destruidor do meio ambiente, caso não seja demitido. Em abril deste ano ele anistiou (por quê?) desmatadores ilegais da Mata Atlântica – outro bioma atacado para nada, demitindo (por quê?) dirigentes do IBAMA que lutavam com risco de vida contra a mineração ilegal em terras indígenas (por quê?).

O de espantar é que a justiça poderia “lhe dar um chega pra lá” (outra idiomatic expression de uso pela minha amiga do BID).

Vale informar, como Mello Franco apurou, que uma ação pública para repor o  CONAMA em sua formação original continuava parada até anteontem na mesa da Ministra Rosa Weber.

Nem tudo é desolação. As pessoas por vezes parecem acordar das tantas pedradas assacadas contra nosso desprotegido País. O Ministério Público teria pedido semana passada que o Ministro fosse afastado do cargo. Os Procuradores e todos sabemos dos riscos com ele à solta.

Termino esses amargores com a denúncia recentíssima feita pelo colunista José Casado sobre o afundamento de quatro bairros em Maceió provocados pelo desmoronamento dos poços de sal-gema perfurados abaixo do solo, e agora abandonados frente à Lagoa de Mundaú pela Braskem – Petrobrás, por conta da mineração criminosa que já coloca em risco 60 mil moradores.

  E     reitero aqui   a sabedoria de Schiller – “breve é a loucura, longo será o arrependimento…” Que cabe como uma luva a   volta da pandemia em países como Itália, Reino Unido, etc., que retomaram o confinamento.

Parece o Benedito, e é…

Ricardo Cravo Albin

http://institutocravoalbin.com.br/

http://dicionariompb.com.br/

PORTA DOS FUNDOS

O Blog de Hildegard Angel transcreve o oportuno texto “PORTA DOS FUNDOS”, do escritor Frei Betto

Por Frei Betto

       Ao me deparar com o noticiário, pergunto se a humanidade retrocedeu. Ao assistir ao debate Trump X Biden cheguei à conclusão de que o destino do mundo está, hoje, entregue majoritariamente a gente irresponsável, que não tem o menor pudor de enfatizar que o seu principal compromisso é com o sistema financeiro, ainda que isso se traduza em fome, mortes e devastação ambiental.

       Biden me parece menos ruim do que Trump. Há décadas não me iludo com o caráter dos ocupantes da Casa Branca. Kennedy, tão proclamado como democrata, bom rapaz e católico, era um arrivista. No livro “O lado negro de Camelot”, Seymour M. Hersh conta que, em 1960, o pai de Kennedy se reuniu com o líder mafioso Sam Giancana, a quem prometeu que seu filho, uma vez presidente, faria vista grossa para a máfia caso esta canalizasse dinheiro para a campanha eleitoral. Esse acordo, diz Hersh, favoreceu os votos decisivos em Illinois.

       Ao assumir a presidência, em 1961, o número de assessores estadunidenses no Vietnam não passava de algumas centenas, que Kennedy logo multiplicou para 16 mil. Pouco antes da invasão de Cuba por tropas mercenárias monitoradas pela CIA, no mesmo ano, Kennedy aprovou um plano para assassinar Fidel Castro. E quando a invasão ocorreu, o apoio aéreo prometido por ele aos exilados anticastristas, crucial para o sucesso do desembarque na Baía dos Porcos, foi cancelado. Hersh afirma que a decisão do presidente representou para os mercenários “uma sentença de morte”.

Obama, que recebeu imerecidamente o Nobel da Paz (2009), foi o primeiro presidente dos EUA a governar por oito anos sem que o país estivesse um único dia sem envolvimento em guerras. Coube a ele dar prosseguimento às agressões ao Iraque e Afeganistão e iniciar os conflitos com Síria, Líbia, Somália, Paquistão e Iêmen.

       Apesar disso, os grandes veículos da mídia ocidental, quando detinham a hegemonia da narrativa, maquiaram as imagens de Kennedy e Obama como “gente boa”. Isso acabou. Porque agora as redes digitais quebraram aquela hegemonia e, de alguma maneira, democratizaram a informação (e também a desinformação) ao abrir espaço à versão das vítimas.

       Isso é desesperador para os donos do poder, porque permite a todos ver que “o rei está nu”. Agora que os protocolos são rompidos, sabemos todos que parcela considerável da população mundial está em mãos de irresponsáveis e imaturos, como Trump (EUA), Bolsonaro (Brasil), Erdogan (Turquia), Duterte (Filipinas), Orbán (Hungria), Modi (Índia) e Morawieck (Polônia).

       Esse populismo sem nenhum apreço pela verdade e pelos fatos não é propriamente fruto das redes digitais, e sim de uma cultura forjada na convicção de que o capital privado é a prioridade absoluta. Portanto, os valores éticos servem apenas para adornar a retórica.

       Esse descaramento lembra uma família de corruptos que, dotada de modos requintados, recebe convidados para um jantar de gala. Estes miram a casa-mundo apenas pela impressão causada pelo viçoso jardim e a luxuosa sala de visitas. Mas, agora, graças às redes digitais, há convidados que também ingressam pela porta dos fundos, onde o lixo se acumula. E, no fim da noite, surpreendem o anfitrião agredindo a mulher; a faxineira obrigada a limpar o vômito dos bêbados; os seguranças da mansão jantando a quentinha trazida pela empresa para a qual trabalham, embora tenham sobrado faisões e lagostas nas travessas de prata.

       É esse mundo escancarado pela porta dos fundos que nos faz assistir, indignados, dois homens que disputam o poder do mais poderoso império de todos os tempos – os EUA – trocando disparates como dois garotos que, no recreio da escola, discutem aos berros qual de suas famílias ostenta o carro mais possante.

       As redes digitais funcionam como lupas. E ao nos aproximar dessas figuras histriônicas, confirmam o que canta Caetano Veloso em “Vaca profana” – “de perto ninguém é normal”. E, infelizmente, esses líderes jamais dão ouvidos aos versos de Billy Blanco em “A banca do distinto”: “Não fala com pobre, / não dá mão a preto / não carrega embrulho. / Pra que tanta pose, doutor? / Pra que esse orgulho? (…) / A vaidade é assim, / põe o tonto no alto / e retira a escada, / mas fica por perto esperando sentada / mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão”.

Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do poder” (Rocco), entre outros livros. Site e livraria virtual: www.freibetto.org

TROPA NÃO É A NAÇÃO

O Blog recomenda a leitura do texto “Tropa não é a Nação”, do ex-ministro Roberto Amaral, transcrito abaixo, publicado em sua carta aberta PENSAR BRASIL

Por *Roberto Amaral

“Vou consultar a Câmara; a tropa não é a nação. A tropa é parte da nação”.
          – D. Pedro I, 1822

     A frase de D. Pedro I que nos serve de epígrafe  foi registrada por José Honório Rodrigues (História combatente, Nova Fronteira. p. 176) como a resposta do nosso primeiro imperador ao general Avilez, comandante das tropas portuguesas, na independência, “quando este lhe fez exigências descabidas”. A citação enseja ao historiador a pergunta que permanece solta no ar e que ainda se fazem os brasileiros:
“E como pode esta parte tomar conta da nação, tutelar seu povo, que detém a soberania nacional e impor-lhe o que quer? O mal que esta ação representou historicamente precisa urgentemente ser reparado, voltando o exército às suas funções constitucionais normais”
O autor de Reforma e conciliação no Brasil escreve em março de 1979, quando o generalíssimo Ernesto Geisel transmitia as rédeas da ditadura ao general João Baptista Figueiredo, o último (e certamente o mais desastrado de todos) presidente do longo mandarinato militar. Passados 41 anos, a primeira inclinação do analista de hoje é supor que estamos diante de uma história congelada, pois a realidade se oferece como  fotografia do passado: a parte segue tomando conta da nação. Aqui se dá fenômeno curioso: as forças armadas não apenas se concebem anteriores à nação, mas se julgam mesmo autoras e criadoras da nação, e assim, com todos os direitos e poderes para ditar os direitos, os poderes e os valores da nação. E puni-la nos casos de desobediência. Elas se julgam acima da história, pois pretendem geri-la; alçam-se acima da república, porque a proclamaram, acima da ordem constitucional que não se pejam em fraturar; pousam mesmo acima da soberania popular, pois seu poder derivaria de si mesmas. Do inquestionável argumento da espada. Os militares não são, assim, uma classe de servidores da nação; querem ser mais que um dos poderes da república, o primo inter pares, o único livre de qualquer controle. Atribuem-se um poder moderador como justificativa da intervenção política, e para isso não se consideram célula do Estado. Como se os militares, como corporação, estivessem  fora das relações políticas e dos interesses econômicos por elas representados, senão em seu núcleo.
Esse poder moderador é a justificativa para a intervenção política e ruptura da ordem constitucional sempre que o dissenso ameaça os interesses da classe dominante, e é posto em ação principalmente quando o conflito opõe grupos sociais,  ameaçando a ordem burguesa. Em ambas as hipóteses seu papel é o de proteção do  bloco hegemônico. Assim, por exemplo, o golpe de 1964, e a ditadura que se segue, instrumentos erguidos contra a possibilidade de avanços sociais.
Em nome da defesa da ordem, sempre a serviço da fração dominante, as forças armadas se atribuem o dever de impedir a emergência do novo.
A ditadura da parte sobre o conjunto vem de longa data, acompanha mesmo a história republicana, com momentos de maior ou menor incidência. Não se trata, aqui,  de discutir os inexistentes compromissos da farda com a democracia – está nos livros de História a sequência de insurreições, golpes de Estado e ditaduras -, porque o cerne da questão radica nessa auto-concepção dos militares como pais da pátria, para eles incapaz de alcançar a maioridade e por isso mesmo necessitada de  ser mantida sob as rédeas curtas da tutela.
Os militares de hoje são a guarda pretoriana de um governo que conspira diuturnamente contra o país e seu povo, destruindo a economia como um todo e a empresa nacional de forma particular, destruindo a indústria em favor do monopólio financeiro, asfixiando a universidade, desconstituindo as bases da educação, da ciência e da tecnologia, devastando o meio ambiente. Transformando um país que já desempenhou o papel de sujeito na política internacional em moleque de recados dos interesses da agonizante administração Donald Trump, aprofundando o caráter de país politicamente reflexo e economicamente dependente, regressando à primeira metade do      século passado como país agroexportador.
Os militares, que no passado estiveram associados ao projeto nacional desenvolvimentista  levado a cabo pela revolução de 30, que se associaram à defesa do monopólio estatal do petróleo e da construção da Petrobras, são hoje o sustentáculo de um governo que desmonta a infraestrutura nacional estratégica, anula o papel do BNDES como agente de desenvolvimento, entrega às multinacionais os recursos do pré-sal e renuncia ao dever de ter uma política espacial, doando aos EUA a Base de Alcântara – sonho de brasileiros há mais de meio século.
Antes, ao tempo da ditadura escancarada, os militares, os homens de farda estiveram atrelados à dinâmica da guerra fria, pondo-se a serviço dos EUA contra nossos interesses; para fazer face à falsa ameaça da União Soviética, elegeram como teatro de ação a guerra interna, combatendo como  adversário de vida e de morte o honrado e bravo  brasileiro que desafiava a ditadura e defendia a democracia. A ação se foi, mas o discurso se mantém. Foi-se a “ameaça” da URSS,  ficou ficou a doutrina da Escola Superior de Guerra, ainda presa à guerra fria. O mesmo anticomunismo, mais farsesco do que nunca, ainda mais anacrônico. Naqueles anos os militares, o exército à frente, se puseram  a serviço de estado burocrático-autoritário, instrumento de modernização capitalista, comandada a partir do centro do mundo capitalista. Desta feita, sustentam um programa neoliberal que revoga todo projeto de desenvolvimento, desde aquele que entre 1930 e 1980 assegurou ao Brasil altos índices de crescimento e transformou o país em  exportador de manufaturados. O estranho é que os militares de hoje repudiem essa política de cunho nacionalista e desenvolvimentista, da qual foram corresponsáveis, como coautores da revolução de 30 e da ditadura do Estado novo, que vai modernizar o Estado e criar as condições infraestruturais para a industrialização, hoje em declínio.
As forças armadas, que chegaram a representar a modernidade, fazem-se sujeito da estagnação, e, por via de consequência, do atraso. Como ser social se desapartam  da sociedade, constroem uma história própria movida por visões próprias e interesses próprios. Formado à parte, vivendo em bolhas, preso a relações endogâmicas, o militar brasileiro constrói sua própria tábua de valores e, a partir dela, passa a ver o mundo dos “lá de fora”. A pretensa origem dos militares brasileiros na classe média, que deveria orientar seus compromissos ideológicos, é uma miragem, pois acima de sua origem de classe, as forças armadas, como observa Eliezer R. de Oliveira,  “definem o campo da ação política dos seus interesses dentro do Estado independentemente de terem vindo da classe média ou de serem filhos de gente rica ou de gente pobre” (Inteligência brasileira. Editora Brasiliense, p 288), e isto é mais do que esprit de corps, pois leva o militar brasileiro, seguidamente, a intervir contra seus supostos interesses de classe, pois simplesmente os ignora.  É mais fácil um oficial brasileiro identificar-se com um colega do corpo de marines dos EUA do que com o pequeno proprietário ou agricultor de sua terra de origem. Sobre qualquer leitura da realidade, o militar é um produto da formação política que recebe nos quartéis e na academia, onde são condicionados a pura e simplesmente serem anticomunistas, e comunismo é tudo o que represente ameaça à ordem, como o progresso social ou a emergência política das massas. Nos quadros da formação de hoje, são inimagináveis movimentos militares como o “tenentismo” (ou a Coluna Prestes), mesmo uma ação política como aquela exercida pelo Clube Militar nos movimentos de defesa nacional e particularmente na defesa da industrialização, ou da Petrobras. Figuras como Horta Barbosa e Estilac Leal não podem mais ser produzidas. Muito menos intelectuais como Nelson Werneck Sodré.
Se podemos registrar, nos anos 50 do século passado, a emergência politicamente ativa de um pensamento nacional-desenvolvimentista, de compromissos legalistas (que muitos identificaram como adesão a teses democráticas), é igualmente fora de dúvida que, a partir de então, com o fim da segunda guerra mundial, com o trabalho que passa a ser desenvolvido pela Escola Superior de Guerra, e com a Doutrina da Segurança Nacional,  são criados instrumentos que visavam a impedir a contaminação com qualquer pensamento social, qualquer leiva de pensamento esquerdista. A democracia se exercia no combate ao espantalho comunista, e quanto mais “democrata” mais anticomunista deveria ser o oficial. O legalismo passou a depender desta contingência.
As mudanças ideológicas que se operam na formação da oficialidade brasileira aguardam  uma discussão profunda que reclama a participação da universidade, dos partidos e do congresso.
A caserna se considera a fôrma na qual a nação toma forma; essa distorção nos perseguirá ainda por muito tempo, porque ainda estamos longe de uma correlação de forças que habilite a nação dizer às suas forças armadas o papel que lhes compete na ordem democrática. Até lá, qualquer avanço social será uma quimera.

Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia

MANIFESTO DE JURISTAS ESPANHOIS AO STF PELO RÁPIDO JULGAMENTO DE SERGIO MORO

Juristas, políticos, ativistas sociais, intelectuais, sindicalistas, pessoas públicas e grupos organizados estão assinando este manifesto na Espanha, dirigido ao STF, o Supremo Tribunal Federal.

Desde dezembro de 2018, o Supremo Tribunal Federal tramita uma denúncia de defesa do ex-presidente Lula da Silva contra o ex-juiz Sergio Moro, sob suspeita de parcialidade; de ter sido interessado na condenação do ex-presidente (a 9 anos e 6 meses de prisão no caso de reforma de apartamento triplex, no Guarujá, litoral paulista). Pena que foi aumentada para 12 anos e 1 mês, dos quais o ex-presidente Lula já cumpriu 1 ano e 7 meses.

A defesa de Lula é urgente para que este julgamento seja realizado, já que o maior dos magistrados do Supremo Tribunal Federal, Reitor Celso de Mello, em breve completará 75 anos e, portanto, deve se aposentar automaticamente em 1º de novembro. No entanto, por razões médicas, ele antecipou sua aposentadoria para o próximo dia 13 de outubro, e outro magistrado para preencher a vaga deve ser nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro.

O reitor é um dos cinco magistrados que devem julgar o caso, ao lado de Carmen Lúcia, Edson Fachhin, que já votaram contra a suspeita, e Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski que ainda não votaram, mas já indicaram que votarão “sim” , que Moro está sob suspeita de parcialidade.

O reitor Celso de Mello não indicou como votará, mas seu voto é considerado desempate, e temos a convicção de que o mais excelente administrador não vai querer ficar para a história com essa dívida para com a democracia brasileira.

Nesse julgamento, os magistrados integrantes do tribunal têm em mãos apurar que o ex-juiz Sergio Moro está sob suspeita de ter cometido inúmeros atos arbitrários, infringindo as regras de imparcialidade para condenar o ex-presidente Lula sem provas na área da operação Lava Jato. beneficiando Jair Bolsonaro e aderindo ao cargo de Ministro da Justiça, com a promessa de ser magistrado do STF, quando o reitor Magistrado Celso de Mello se aposentou.

Sabe-se que a relação entre o ex-juiz Sergio Moro e o atual presidente do Brasil se deteriorou, porém isso não altera as circunstâncias de parcialidade da acusação do ex-juiz Moro.

Se for o caso, a decisão anularia a sentença do ex-juiz Moro sobre o caso do apartamento triplex. Além de outras decisões tomadas em outras ações judiciais, que também poderão ser invalidadas.

Anunciamos que em junho de 2019, o jornal The Intercept Brasil, do advogado constitucional americano, colunista, blogueiro, escritor e jornalista, Glenn Greenwald, (que recebeu inúmeros prêmios por seu trabalho, entre os quais o Prêmio Pulitzer de Serviço Público (2014), e o Prêmio George Polk de 2013, em conjunto com outras mídias), divulgaram informações sobre um acervo de materiais sobre a atuação do grupo especial que compõe o Lava Jato; o que comprovou a existência de pooling entre o então juiz e os promotores e, portanto, a não imparcialidade do desembargador Sérgio Moro nas decisões dos processos relativos ao ex-presidente Lula.

Para agravar a situação, o Órgão Público revelou, há poucas semanas, a existência de indícios de que Moro e o grupo especial que investigou e julgou o ex-presidente Lula mantiveram contatos repetidos com o FBI (Federal Bureau of Investigation), a Polícia Federal dos Estados Unidos, e que seus agentes atuaram no caso Lava Jato.

Fatos que mostram que o então juiz Sérgio Moro nunca agiu com justiça e com a imparcialidade exigida do cargo, mas que tudo fazia parte de seu projeto político. Esperamos que o STF possa agora julgar a parcialidade do ex-desembargador Sérgio Moro nos julgamentos do ex-presidente Lula, para garantir um julgamento justo.

Chamamos a atenção da opinião pública para o cenário desses julgamentos e buscamos formas de colocar o assunto no noticiário mundial para que essa votação no STF seja o mais breve possível.

Por esse motivo, solicitamos que em defesa da justiça do ex-presidente Lula assine o manifesto e, se possível, faça um breve comentário sobre o fato de Moro estar possivelmente sob suspeita como juiz.
Pretendemos colher comentários de personalidades ligadas ao mundo da justiça ou que acompanham os acontecimentos desses julgamentos no Brasil.

Mais do que a assinatura de um manifesto, o que queremos é conseguir uma série de respostas breves em forma de enquete, sendo a instigante questão de suas breves declarações: Por que você acha necessário, que quanto mais cedo o fato daquele ex-juiz Sergio Moro você está sob suspeita de não ter sido imparcial?

Para nós, ativistas brasileiros que moramos na Europa, a sentença proferida pelo ex-juiz Sérgio Moro na ação movida pelo Ministério Público Federal contra Lula deve ser considerada nula diante das evidências de que o juiz está sob suspeita de parcialidade, e “Sem Lula Livre não há democracia no Brasil ”.

Já assinaram:

– Baltazar Garzón Real
Juiz, ex-ministro do Tribunal de Justiça, político e professor universitário.
Doutor Honoris causa por mais de vinte Universidades em diferentes países.

– Aitor Martínez Jiménez
Advogado, politólogo, conferencista e escritor. Doutor internacional em Diteito pela UAM e Europeu em Ciências Criminais pela Université Paris Nanterre.

– Enrique Santiago Romero
Advogado e político, integrante do Escritório da “Asociación Internacional de Juristas Demócratas” e deputado de Unidas Podemos por Madrid.

– Maria das Graças Carvalho Dantas
Advogada, ativista social e deputada do Congresso Espanhol.
Primeira brasileira eleita deputada na Espanha.

– Ildefonso Gómez Martínez
Advogado, ativista social, político e porta-voz da “Plataforma contra la Impunidad del Franquismo”.

– Louerdes Lucía Aguirre
Advogada, vice-coordenadora de ATTAC Madrid e cofundadora de ATTAC Espanha.

– Sergio Camasa Perez
Advogado e ativista político.

– Giovanna Erika Venegas Benavides
Advogada e doutora em América Latina contemporânea.

– Antón Gómez-Reino Varela
Diputado de las Cortes Generales por La Coruña.

– Manuel Pineda
Ativista em prol da Palestina e deputado do Parlamento Europeu por Unidas Podemos.

– Sira Abed Rego
Deputada do Parlamento Europeu de Unidas Podemos.

-Gloria Elizo Serrano
Deputada de Podemos, vice-presidenta terceira do Congresso Espanhol.

– Enrique Olmo
Sociólogo com amplo histórico social e político. Presidente da Fundación Andreu Nin e colaborador habitual de diversos meios de comunicación. Membro do PSOE.

– Francisco Pérez Esteban
Responsável de Política Internacional de Izquierda Unida.

– Manuela Bergerot
Coporta-voz de Más Madrid

– Araceli Escudero Berruezo
Jornalista, ativista social e responsável da “Área de Paz y Solidaridad de IU”.

– Margarita Guerrero Calderón
Ativista política e presidenta do “Movimiento Revolucionario Europa”.

– Babacar Balde
Presidente da Federación de Asociaciones de África Negra de Sabadell y Catalunya.

– Mohamed Merabet
Farmacéutico e ativista social.

– María Remedios Garcia Albert
Secretaria de Relações Internacionais do PCE.

– Carlos Martínez, Economista, Secretário do Partido Socialista Libre Federación.

– Roberto Antunes Vazquez
Analista político em Podemos.

– Javier Couso Permuy
Ex-deputado do Parlamento Europeu.
Artista com trabalhos audiovisuais e militante político.

– Alejandro Capuano Tomey
Jornalista, ativista político e Secretário de Política Internacional do “Partido Socialista Libre Federación”.

– José María García Goday
Médico e ativista político.

– Joaquín Rodero Carretero
Engenheiro aposentado, político e escritor.

– Carmen Ramos Pajares
Aposentada e ativista política.

– Javier García Proenza
Funcionário público e ativista.

– Joaquín Iborra
Presidente da ONG AEPPPA

– Irene Bassanesi Tosi
Ativista feminista

– Mariá de Delás Malet
Jornalista

– Marcos Roitman
Sociólogo, professor universitário, analista político e escritor chileno. Foi exilado durante a ditadura de Pinochet. Reside na Espanha.

– Víctor Francisco Sampedro Blanco
Professor universitário da cadeira de Comunicação Política.

– Alejandro Andreassi Cieri
Professor aposentado da “Universidad Autónoma de Barcelona”.

– Rosa Cañada
Professora e escritora, ativista social em defesa da Educação Pública.

– Alfonso Martinez Jiménez
Profesor.

– Rocío Ordoñez Rivera
Escritora.

– Julio Rodríguez Bueno
Professor e ativista político.

– Manuel Garí Ramos
Economista experto em Trabalho, sindicalista CCOO. Diretor da Área de Meio Ambiente do “Instituto Sindical de Trabajo, Ambiente y Salud” e diretor da “Catedra Extraordinaria ‘Universidad, Empresa, Sindicatos’: Trabajo, Ambiente y Salud” da Universidad Politécnica de Madrid.

– Joseba Echebarria
Sindicalista UGT, responsável de América Latina.

– Dolores Carrascal Prieto
Secretária de Finanças do sindicato CCOO e Secretária de Iniciativas Económicas, Cultura e Serviços.

– Julio Novillo Cicuéndez
Dirigente do sindicato CCOO.

– Roberto Tornamira
Secretário Estadual de UGT para o setor Finananceiro.

– Eduardo Hernández Oñate
Presidente de ASTRADE, UGT Madrid.

– Félix González Prieto
Sindicalista aposentado, UGT Ávila.

– Paraguay Resiste en Madrid
Colectivo Socio-político

– Colectivo Soledad Barret
Colectivo Socio-cultural

– Asociación Paz Ahora
Ajuda às vítimas de conflitos

– Federación de Asociaciones de África Negra de Sabadell y Catalunya

– Plataforma de Solidaridad con los Pueblos del Mediterráneo

-Plataforma contra la Impunidad del Franquismo

– No Somos Delito
Plataforma em defesa da liberdade de informação.