A Volta das Múmias

Hildegard Angel

No início, era a sensação de viver um pesadelo que nunca termina. Agora, nos vemos num filme de terror, em que múmias de assassinos e torturadores saem das tumbas e, corpos putrefatos e em decomposição, avançam maquinalmente, braços estendidos em direção a seus torturados do passado, como se pretendessem “terminar o serviço”.

Thriller – A Volta das Múmias não é um blockbuster, é uma realidade no Brasil atual, onde o ex-tenente Mario Espedito Ostrovski, torturador notório* da ditadura militar, arvora-se o direito de processar o ex-torturado e jornalista Aluízio Palmar, por este ter noticiado as torturas ocorridas em 1969, no 1º Batalhão de Fronteiras, em Foz do Iguaçu, no Paraná.

As sevícias relatadas em livro por Palmar foram pela primeira vez expostas em carne viva, em 1985, nas páginas 136 e 137 do Tomo II, Vol. 1, do livro Brasil Nunca Mais – BNM, publicado com aval e coordenação dos então mais importantes e respeitados religiosos do país: o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, o Rabino Henry Sobel e o Pastor presbiteriano Jaime Wright.

O ex-tenente, conforme o livro, infligiu penoso martírio a Isabel Fávero, grávida de dois meses, jovem professora de escola rural paranaense, que, em 1969, foi levada presa com o marido para o quartel do Exército, em Foz. Lá, ela recebeu choques elétricos nos mamilos, na genitália e nas extremidades do corpo, aplicados pelo próprio Espedito. Após as torturas, Isabel abortou seu bebê, sangrando durante vários dias, sem lhe ser permitido sequer se limpar.

Esse episódio voltou ao noticiário em 2015, com a divulgação do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, reunindo depoimentos dados, em Audiência Pública, por Izabel Fávero, Aluízio Palmar, Ana Beatriz Fortes e Alberto Fávero. Essa nova revelação das sevícias impostas no Batalhão do Exército em Foz motivou um grupo de populares a manifestar seu repúdio em frente ao escritório de Espedito.

Sim, de quando em quando, de sempre em sempre, essas histórias precisam ser contadas e recontadas, seus algozes lembrados e apontados, para que a cada vez se repita em nós o mesmo pasmo por tais barbaridades. A apatia e a insensibilidade social são uma doença. Torturar, martirizar, supliciar, materializando fantasias, taras e impulsos cruéis não é normal. Torturar, martirizar, supliciar é anormal seja por qual motivo for. Não pode ser aceito com naturalidade.

A cada lembrança da tortura de Isabel é citado o nome do ex-tenente torturador, que, assim como se mostrou expedito em dar choques, agora se revela expedito em praticar vingança, sentindo-se talvez empoderado pelo momento e se fiando na hipótese de a nova Justiça brasileira estar de fato cega para a verdade, como andam dizendo por aí.

O depoimento de Isabel Fávero à Comissão Nacional da Verdade pode ser visto no YouTube

*Torturas praticadas pelo ex-tenente Mário Espedito Ostroviski – Cronograma das denúncias ,conforme o Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu

·       1985 – Projeto Brasil Nunca Mais – informações nas páginas. 136 e 137 do Tomo II Vol. 1. Depoimento contundente de Luiz Andrea Fávero.

·       1985 – O jornal Correio de Notícias, de Curitiba, publicou na capa, notícia que o governador José Richa, exonerou da chefia da Assessoria de Segurança e Informações da Copel, devido às denúncias de torturas cometidas pelo ex-tenente.

·       2005 – Livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos? Autor, Aluízio Palmar, Editora Alameda, páginas 36, 66, 68,74, 206 e 261.

·       2013 – Audiência Pública da Comissão Nacional da Verdade. Depoimentos de Aluízio Palmar, Isabel Fávero, Ana Beatriz Fortes e Alberto Fávero.

·       2013 – Ampla repercussão do vídeo com depoimento de Isabel Fávero, onde ela conta as torturas sofridas e denuncia Mário Espedito Ostrovski como torturador. Esse vídeo está hospedado no youtube https://youtu.be/a3-vpaKAPSU

·       2013 – Notícias das torturas no batalhão do Exército em Foz do Iguaçu: Site da Secretaria de Estado da Justiça – Paraná; Portal G1; Portal H2Foz; Site do Fórum Paranaense da Verdade Memória e Justiça

·       2015 – Relatório da Comissão Nacional da Verdade Além de seu nome consta na lista de torturadores, Mário Espedito Ostrovski é citado nas páginas 638, 766 e 914.

4 ideias sobre “A Volta das Múmias

  1. Sim, ao seu texto! Não podemos deixar de lembrar o terror!
    Como voltamos a esse surrealismo de terror em pleno século 21?
    Como será o futuro do povo brasileiro diante de tudo o que estamos presenciando Brasil afora?
    Dentre aqueles que estão enxergando a realidade, desânimo, desesperança…

  2. Prezada Hildegard Angel, primeiramente quero cumprimentá-la por suas publicações que me dão muito prazer de ler; gosto de sua firmeza de posicionamento e raciocínio em relação aos problemas políticos nacionais. Apresentando-me, sou pesquisador, com doutorado em teoria literária pela FFLCH-USP e pós-doutorado em epistolografia pelo Instituto de Estudos Brasileiros também da USP (pesquisando nas cartas de Osman Lins e Hermilo Borba Filho). Estou contatando-a por um motivo especial para mim: pretendo escrever um artigo sobre os diários e um poema específico do escritor Lucio Cardoso que, segundo consta, era primo de sua mãe, afilhado de sua avó, em Curvelo MG. Nesse sentido, se não lhe for incômodo tratar disso, gostaria de saber se poderia enviar-lhe algumas questões sobre essa relação parental entre vocês e o escritor que possam enriquecer ou informar melhor meu artigo. Meu e-mail é nelsonlb@uol.com.br, e ficarei muito honrado de seu contato se isto for de seu interesse. Muito obrigado. At. Nelson Barbosa

  3. parabéns pelo belo texto; estamos juntos nesta luta …VIVA A DEMOCRACIA! SALVE A LIBERDADE ! FORA TORTURADORES !!!

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